quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A reação conservadora


Impressionante como desde o beijo na novela os ataques homofóbicos aqui no blog e na página do Diversidade Católica no Facebook se multiplicaram. É a rebordosa conservadora... :-(

Como disse meu amigo Hugo Nogueira, um dos moderadores do nosso blog: "É o preço que se paga pela visibilidade, mas os benefícios são muito maiores, vejo cada vez mais demonstrações de afeto em público sem reações adversas. A internet acoberta os covardes."

Por outro lado, o Rodolfo Viana, também da equipe do blog, lembrou (e muito bem lembrado) que é o movimento típico de resistência que ocorre durante um processo de mudança de mentalidade, sobretudo quando a transformação começa a ganhar corpo e a se fazer sentir. O sistema resiste à mudança, e a reação é violenta. Como neste caso.

Acredito que a mudança da nossa sociedade e a gradual substituição não só da homofobia, mas de toda misoginia e da nossa dificuldade de lidar com tudo o que difere do padrão patriarcal hegemônico, são inevitáveis. Mas o processo que atravessamos não é linear, nem homogêneo; ao contrário, é intermitente e sinuoso, cheio de idas e vindas - e é aí que mora o perigo maior, para o qual precisamos nos manter atentos, mais do que nunca.

Nosso amigo Teleny comentou muito bem em seu blog (aqui):
As redes sociais têm a sua dinâmica própria que em parte demonstra a evolução da mentalidade humana. Tirando uma margem que a tela de um computador proporciona, isto é, aquela diferença entre as coisas que se tem a coragem de escrever, mas nunca se diria na cara do outro, em sua grande parte, a discussão tão acalorada como essa, mostrou o crescimento vertiginoso de posicionamentos radicais. O que mais chamou a minha atenção foi o fato de observar isso principalmente entre os jovens. Eu sei que a juventude é radical (OK, digamos: idealista) por natureza e que a moderação (no bom e no mau sentido) ocorre com o tempo, através de choques com a realidade, de decepções, de cansaço e de comodismo, bem como através de estudo e de um amadurecimento em geral. 
A humanidade apresenta a mesma dinâmica de forma ainda mais clara. É uma interminável conquista, é a descoberta, é o avanço constante. Sem dúvida, como em cada caminhada, houve tropeços, capazes até de travar por algum tempo o natural progresso da civilização. Tais tropeços tornaram-se, no entanto, uma fonte de sabedoria e enriqueceram a consciência coletiva do gênero humano, passando de uma geração para outra. E é, justamente, neste fluxo de gerações que a gente deposita a expectativa dos tempos melhores. Repete-se, de certa forma, a experiência do povo de Israel que, no final de sua longa peregrinação rumo à terra prometida, constatou que era preciso que morresse aquela geração e surgisse a outra, para obter a vitória definitiva (cf. Jos 5, 6-7). É tão natural a suposição - quase automática - de que cada nova geração supere em suas qualidades a geração anterior.
A impressão que tenho, após a leitura das berrantes declarações homofóbicas daqueles que representam a Igreja Católica Apostólica Furiosa, é que as coisas irão piorar. Essas pessoas, ainda que confusas em sua argumentação e apresentando as falhas graves na compreensão e no uso da língua portuguesa, estão profundamente convencidas quanto à razão exclusiva e absoluta daqueles princípios que nós tão bem conhecemos e que tanto mal já nos fizeram. (...) É como a "Juventude Hitlerista" (Hitlerjugend). Esta analogia pode parecer drástica demais, porém, trata-se de uma lógica semelhante (...). A crueldade das declarações verbais anuncia uma nova, maior onda da homofobia, com a base no cego fundamentalismo cristão. Lamentavelmente...

Um exemplo é a notícia da gangue de jovens de classe média que se lançaram às ruas da Zona Sul do Rio de Janeiro - não nos rincões longínquos de uma "periferia" qualquer, mas no coração da sociedade dita "civilizada" - com o propósito declarado de caçar "gays, 'cracudos' e assaltantes" e fazer justiça com as próprias mãos. "Limpar" a sociedade do que eles entendem ser a "escória" que a polui - e, nisso, seguem a lógica que legitima que se agridam gays, surrem e acorrentem ladrões a postes (este caso aqui, aliás, se deu no mesmo bairro e é possível que esteja ligado à ação da mesma gangue), assassinem travestis. No relato (assustador) de um rapaz que foi atacado pelo bando, compartilhado pelo amigo Sergio Viula em seu blog (leia aqui), podemos detectar as contradições inerentes a qualquer transformação da sociedade quando a vítima critica os garotos negros que fazem parte do grupo por perseguirem outra minoria, mas parece dar a entender que se fosse mesmo pra perseguir "assaltantes e cracudos", tudo bem. A lógica da violência e da agressão ao Outro, àquele que percebo como diferente de Mim e, por isso mesmo, potencial ameaça à minha integridade, se insinua e contamina TODOS nós. (Daí ser inaceitável, em qualquer circunstância, partir para o linchamento e o fazer justiça com as próprias mãos - inclusive dos nossos agressores homofóbicos. A propósito, leia isto aqui.)

Outro exemplo dos paradoxos do processo, voltando à novela: o beijo gay ressuscitou o auê em torno da suposta ameaça que os LGBTs representamos à "família tradicional" - levando um pastor/deputado estadual baiano a anunciar que vai entrar com uma ação na Justiça contra a Globo. O problema dos que defendem a família tradicional é que, ao se fixar em um modelo único, eles têm de atacar todas as outras, e acabam sendo muito mais nocivos à dignidade da família em todas as suas formas e da pessoa humana em geral, pois deslegitimam os demais formatos familiares - que nem minoria mais são, aliás. Será que todo esse rigor é mesmo coerente com os valores do Evangelho?

Toda transformação, por mais inexorável que seja, é processo - e, no seu decorrer, retrocessos a curto e médio prazos acontecem. É o dragão ferido de morte que estrebucha e, em suas convulsões, tem um enorme potencial de destruição. Esta é justamente a hora que requer mais atenção - porque, à medida que ganhamos espaço e abertura, tendemos a relaxar, e é aí que os ataques mais covardes e mais virulentos podem nos pegar desprevenidos. Façamos a nossa parte, amigos, e zelemos uns pelos outros - sempre com amor e atenção para não cedermos à tentação da mesma lógica da exclusão e da violência contra o Outro que tanto nos empenhamos em extirpar. 

Com amor, 


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