segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Papa Francisco poderá ter outro olhar sobre uniões homoafetivas


John L. Allen Jr., jornalista do National Catholic Reporter, importante publicação católica americana, de viés liberal, faz uma análise de como os gestos e palavras de Francisco com relação aos LGBT vêm sendo interpretados, e das perspectivas que temos pela frente. O artigo foi publicado em 03-01-2014 e a tradução é de Isaque Gomes Correa, via IHU.

Não é sempre que a vida real serve de experimento para ajudar na resolução de problemas históricos, mas a política italiana pode ter criado uma oportunidade desse tipo ao lançar luz sobre uma questão biográfica central do Papa Francisco.

Dado que o assunto é o estatuto jurídico das relações homoafetivas, o pensamento do papa tem, obviamente, algo além de um mero interesse histórico.

Antes de sua eleição, a linha assumida pelo cardeal Jorge Mario Bergoglio, de Buenos Aires, era aquela de um conservador bastante convencional, em parte devido a seu papel no difiícil debate nacional travado em seu país, em 2010, a respeito do casamento homoafetivo.

A disputa proporcionou algumas das mais ferrenhas retóricas políticas de Bergoglio, enunciada em julho de 2010 numa carta aos conventos argentinos, onde que pedia para rezarem tendo em vista fazer tal iniciativa fracassar.

“Não sejamos ingênuos: não se trata de uma simples luta política, mas sim de uma tentativa para destruir os planos de Deus”, escreveu na ocasião. “Não é apenas uma lei, mas uma ação do Pai da Mentira, que busca confundir e enganar os filhos de Deus”.

No entanto, a Argentina acabou sendo a primeira nação na América Latina a aceitar o casamento homoafetivo.
Como enquadrar esta postura, aparentemente linha dura, de Bergoglio com as percepções do Papa Francisco, hoje, como sendo um político moderado, determinado a apaziguar as guerras culturais? Como enquadrar aquele famoso dizer a respeito da comunidade gay: “Quem sou eu para julgar?”

Basicamente existem duas teorias.

Uma delas diz que a carta de 2010 mostra o Francisco real, e que a atual fascinação por sua luva de veludo ignora o punho de ferro existente por baixo. Dê a ele tempo – sustenta esta teoria – e então mostrará suas verdadeiras cores. (Esta opinião tende a estar presente tanto entre os conservadores culturais, que querem que o papa demarque claramente limites, quanto entre ativistas dos direitos dos gays, que temem que ele irá fazer exatamente isso.)

A outra teoria sustenta que a carta de 2010 não retratava o verdadeiro Bergoglio. Esta diz que, particularmente, ele desejava aceitar uma solução para as uniões civis como uma alternativa para o casamento homoafetivo, e que teve que adotar uma postura rígida em público somente porque era o presidente da Conferência dos Bispos de seu país, sentindo-se obrigado a articular a visão da maioria.

O padre Argentino Jorge Oesterheld, porta-voz da Conferência Episcopal da Argentina durante os seis anos em que Bergoglio foi presidente (2005 a 2011), afirmou exatamente isso em uma entrevista concedida ao site National Catholic Reporter – NCR, em abril.

“Alguns [bispos] era mais flexíveis do que outros”, disse o Pe. Oesterheld. “O cardeal compactuou com aquilo que a maioria buscava. Ele achou que era seu papel como presidente da Conferência apoiar o que a maioria decidiu, não impondo sua própria vontade sobre os demais”.

A política italiana poderá ajudar nesse sentido.

Na quinta-feira, o novo líder do Partido Democrata de centro-esquerda, Florence Mayor Matteo Renzi, expôs elementos-chave de sua agenda política em uma carta a outros líderes partidários. Pesquisas de opinião mostram Renzi, de 38 anos, como favorito para o cargo de primeiro ministro italiano.

Um elemento presente aqui é o apoio a uniões civis, similar àquele da Lei de Casamento Civil, de 2005, aprovada no Reino Unido e adotada sob o governo do então primeiro ministro Tony Blair.

Dado o forte ethos católico do povo italiano, analistas acreditam que direitos plenos para casamentos homoafetivos sejam improváveis no país, embora pesquisas mostrem uma aprovação pública para estas uniões.
“Estes não são direitos civis, mas deveres civis”, falou Renzi. “Como pode um país que não leva essas questões a sério se dizer civilizado?”

Apesar do apoio popular, analistas políticos italianos consideram esta postura um tanto ousada, dado que o apoio para uma medida similar de 2006-2008 ajudou a derrubar o segundo governo de centro-esquerda, liderado pelo então primeiro ministro Romano Prodi.

Romano Prodi apoiou a medida política de união civil conhecida, na Itália, por “Dico”, postura que acalorou a oposição da Igreja local. Esta foi liderada pelo presidente ultrapoderoso da Conferência dos Bispos à época, o cardeal Camillo Ruini, com uma forte sustentação do Vaticano e do Papa Bento XVI.

A proposta morreu em 2008 quando Prodi perdeu em votação aberta no Senado italiano, vindo então a renunciar.

Suponhamos que Renzi siga o mesmo caminho, que a busca por uniões civis volte à tona sob um futuro governo de esquerda, e que o drama apresente-se novamente: a resposta do Papa Francisco seria diferente?

Com base no tom já posto pelo novo papa, muitos analistas esperam que a resposta seja diferente. Ao escrever ao jornal La Stampa, o jornalista Fabio Martini afirmou que, na era Francisco, os assim-chamados “teo-cons” – ou seja, políticos que invocam valores cristãos para defender posições conservadoras – “ficaram sem voz, e que agora será difícil recuperarem o vigor de antes”.

Duas questões se apresentam.

Em primeiro lugar, o Papa Francisco tem dito que a Igreja não deve tomar posições políticas diretamente. Portanto, é provável ele não venha a falar de modo explícito sobre o assunto. Em segundo lugar, ao mesmo tempo ele é um forte adepto da colegialidade. Assim, provavelmente ele deixe os bispos italianos tomarem a liderança.

No momento em que um governo hipotético de Renzi assumisse o comando, as rédeas da Conferência Episcopal Italiana deverão estar firmes nas mãos dos “bergoglioístas”

Na quinta-feira, Maurizio Gasparri, político de centro-direita e vice-presidente do Senado italiano, disse que a variável crítica no debate iminente será a respeito da forma como católicos, das mais importantes coalizões, irão reagir.

No entanto, para o resto do mundo a pergunta que fica é provavelmente esta: Como o Papa Francisco irá reagir?

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