segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Sim, somos gays e católicos!


Linda a matéria que saiu no Portal Todavia com nosso amigo Murilo Araújo e o Ed, membro do Diversidade Católica.

O batismo ainda pequeno, a catequese logo depois, a missa aos domingos na companhia de algum familiar, talvez até a participação em um grupo de jovens mais tarde e uma identidade religiosa é estruturada. Foi assim com Murilo Araújo, André Soares e Edilmar Alcântara, três rapazes que além de compartilhar da fé e de uma formação baseada no catolicismo, tiveram outra coisa em comum: precisaram lidar com suas condições sexuais dentro da religião.

Se as heranças religiosas familiares de Murilo levaram aos seus primeiros passos na Igreja Católica, o gosto pela vivência cristã foi sendo desenvolvido em sua própria formação pessoal. Um ano antes do permitido, Murilo decidiu pedir a sua mãe para entrar na catequese e, ainda adolescente, sua missão no grupo de jovens já era uma realidade. “O que antes era um vínculo mais ligado à coisa da família, virou uma parte da minha vida mesmo. Até o meu amadurecimento para pensar a sociedade, a minha vida social e a minha forma de estar no mundo foram desenhadas pelo meu vínculo com a minha comunidade de fé e pela minha vivência religiosa. Isso é muito forte pra mim”, confessa.

Para André, o caminho pela religião foi ainda mais intenso. Neto de católicos praticantes, ele chegou a se dedicar na missão de ser padre e morou em um seminário. “Desde menino, meus avós me levavam à igreja. Para aceitar a minha verdadeira identidade como filho de Deus, já estive morando em um seminário e também fiz parte da ordem franciscana. Quanto a minha identidade sexual, fico muito tranquilo hoje quando alguém me pergunta se sou gay”, revela.

É nesse processo de descobertas sexuais que a maior parte dos jovens entra em conflito. Segundo pesquisa da Universidade da Columbia, em Nova Iorque, a taxa de suicídio entre os jovens gays e bissexuais é até cinco vezes maior do que a de jovens heterossexuais, independente da religiosidade. No Brasil, o índice de suicídio entre esses jovens gays chega a três por dia, mais de mil adolescentes por ano.

Se enfrentar os dilemas familiares junto ao bullying no colégio, por exemplo, já é árduo para um homossexual nos primeiros momentos de suas descobertas, para um gay católico o contexto religioso é um quesito a mais desse processo. “Foi estranho no começo, muito complicado de administrar. Comecei a ler livros que desmitificavam passagens bíblicas tidas como imutáveis. Hoje, vejo a relação da Igreja com a minha sexualidade de outra forma. Penso que ninguém escolhe ser gay, hétero ou o que seja. As pessoas simplesmente são o que são. Alguns aceitam, outros fogem de si mesmo”, conta Edilmar.

Mas para toda regra, há exceções. Murilo sempre lidou com bastante serenidade quando a assunto foi entender o processo de identificação sexual e religioso em sua vida. A aceitação parece ter vindo como uma luz, provocando uma liberdade ímpar. “Eu digo que eu sou até mais cristão por ser gay – e mais gay por ser cristão. Se tem uma experiência na minha trajetória que associou tudo isso, foi o dia em que eu saí do meu próprio armário: me senti saindo de um caixão quase, me senti vivo como nunca antes, deixando pra trás um Murilo que era uma mentira, e me sentindo mais livre, sem amarras. Se não foi Deus quem me proporcionou esse bem, essa bênção e essa liberdade, eu não sei mais quem foi”, revela.

Nessa caminhada em direção a uma melhor descoberta (e por que não dizer aceitação?) pessoal, alguns grupos foram surgindo para dialogar melhor sobre essa relação entre homossexualidade e catolicismo. É o caso do Diversidade Católica, um grupo que atua no Rio de Janeiro há mais de seis anos funcionando e reúne católicos gays periodicamente na casa de um grande amigo do grupo. Como nos conta Edilmar, membro do Diversidade, tudo funciona como uma grande família, sempre aberta a receber novos corações para dividir histórias, compartilhar a fé, sem nunca desistir de seguir Jesus por causa de sua condição sexual. “Eu sabia que não era o único no mundo a passar pelo o que estava passando, por isso me empenhei em encontrar pessoas que vivam a mesma coisa que eu. Hoje, somos uma família que cresce a olhos vistos”, completa.

Entretanto, se o conflito pode ser administrado com o tempo, grande parte das pessoas ainda olha torto para esses homossexuais que decidiram seguir o caminho cristão. “Às vezes, a gente fica meio sem lugar: quando chega à Igreja, a gente é muito ‘pra frente’, muito subversivo, por estar querendo uma abertura à homossexualidade num espaço que mal fala de sexo (só fala quando é pra proibir); do outro lado, por mais ‘pra frente’ e subversivo que eu seja, sempre alguém vai me achar atrasado por eu ‘estar numa instituição que me condena’”, explica Murilo. Para ele, trata-se de uma grande falta de compreensão, de todos os lados: "apesar dos dois grupos me ‘julgarem’ por razões diferentes, nenhum dos dois para pra me escutar. E pior, ambos estão partindo de um mesmo fundamentalismo: achar que o fato de eu ser religioso me desautoriza a criticar a minha religião – e que se eu tiver críticas, eu tenho mais é que sair dela e criar a minha própria. E não é assim que as coisas funcionam".

Entre dilemas pessoais e sociais, o caminho de descoberta e o entendimento de uma identidade formada tanto pela vivência da religião quando pela condição sexual são acontecimentos que só se tornam possíveis através do amor e do respeito. Como diz Anais Nis, escritora francesa: “Não podemos salvar as pessoas. Tudo o que podemos fazer é amá-las”.

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