terça-feira, 5 de novembro de 2013

Carta aos jovens gays da minha igreja

 
Nosso querido amigo Murilo Araújo publicou ontem, no Vestiário, este belo testemunho, que com grande alegria compartilhamos com vocês. Como ele diz, em tempos de consulta pública do Vaticano às paróquias sobre casamento gay, divórcio e contracepção [saiba mais aqui], está na hora de transformarmos em realidade nosso desejo de construir mudanças.

Viçosa, Minas Gerais, 03 de novembro de 2013.

Caros jovens gays da minha igreja, gays como eu, e católicos como eu:

Hoje me senti orgulhoso de mim. Bastante. Viajei para uma cidade próxima à minha, para participar de um encontro celebrado anualmente pela pastoral de que participo em nossa Igreja, e fui carregando na bolsa uma bandeira do arco-íris e um pouco de ousadia. Meu objetivo era fazer uma “intervenção”: exibir comigo a bandeira durante as atividades, tentando provocar alguma reflexão sobre a nossa existência, sobre a nossa identidade de gays e cristãos, que as pessoas costumam ver como ambígua.

Não foi uma tentativa de alfinetar ou desrespeitar o espaço, como alguém pode vir acusar. Estar lá, com a minha bandeira, não agredia a fé de ninguém. Fiz o que fiz por ver que ainda temos muitos silêncios a serem quebrados. A maior violência que nos atinge é uma invisibilidade que toma proporções muito significativas em uma instituição que só fala do sexo quando é para proibi-lo. A consequência disso é que muitos de nós, se em algum momento achamos que Deus nos odeia, ainda precisamos enfrentar tudo com a sensação dura de que estamos sozinhos – ainda que existam outras pessoas entre nós vivendo os mesmos dramas, ou pessoas que já tenham passado por eles e possam nos ajudar a superá-los.

Romper esse silêncio sempre foi uma questão importante pra mim, e por isso quis carregar a minha bandeira para o lugar onde estava indo viver a minha fé. Lá, esperei todas as reações possíveis. Até que as pessoas, timidamente, começaram a se aproximar. E, graças a Deus, foi bonito. Tão bonito que me fez vir aqui escrever essa carta pra você.

As primeiras pessoas a vir falar comigo eram como nós: católicos e gays. Primeiro, um casal de meninas lésbicas, participantes de um grupo de jovens, que elogiaram a bandeira com um sorriso, e pediram uma foto. Bastou que elas chegassem para os outros pedidos começarem a acontecer. Um garoto gay com a amiga lésbica, depois outro grupo de amigas, sempre com o mesmo pedido de uma fotografia com a bandeira, às vezes me chamando para aparecer na foto. Pouco depois, começaram a vir me cumprimentar também meninos e meninas heterossexuais, que eventualmente contavam o caso de um ou outro amigo gay, que estava passando por dramas ou dificuldades em casa, na Igreja...

E nessas conversas breves, duas coisas me chamavam atenção. A primeira, nos héteros: era perceptível a vontade de falar daquilo que não se fala nas nossas igrejas. Vinha dali um desejo empolgado de conversar sobre aquilo, falar, discutir, debater com franqueza e praticar o exercício da escuta... um desejo que parecia ter encontrado espaço pela primeira vez naquela bandeira que ousava se exibir. A segunda coisa curiosa vinha dos nossos iguais, gays e lésbicas: ainda que estivessem ali, no espaço religioso, vivendo a sua fé sem conflito aparente, pareciam se espantar um pouco diante da minha fé sem armário, como se aquela visibilidade incomum assustasse, ainda que positivamente. Não à toa, foram muitos os olhares admirados quando, durante a missa, recebi a comunhão com a bandeira amarrada às costas.

Mas o que foi ainda mais bonito de ver foi que havia ali, em todo mundo, um sorriso de esperança e um sonho compartilhado. A vontade de conversar dos héteros parecia se transformar em um desejo de construir mudanças, ampliando os limites daquela discussão curta. O espanto aparente dos gays e das lésbicas rapidamente se convertia em uma espécie de cumplicidade de iguais, que se compreendem e querem buscar o mesmo espaço. No fim, eu, que estava tentando dizer a eles que não precisavam viver os seus processos sozinhos ou escondidos, recebia através de um abraço afetuoso uma resposta que me enchia de alegria e esperança: eu também não precisava travar sozinho a minha luta por uma Igreja mais livre, acolhedora e transformadora. Aqueles jovens se dispuseram a ser essa Igreja junto comigo.

Queria partilhar contigo essa história, caro jovem gay cristão, porque penso que só caminharemos para uma Igreja e uma sociedade melhores no dia em que aprendermos a valorizar essa troca, essa conversa sobre as histórias, os conflitos e os amores, que leva a gente a perceber que temos sonhos parecidos e que conseguimos mais quando estamos juntos. Ou a gente toma as rédeas e fala da própria vida, ou alguém falará por nós, muitas vezes perpetuando os eternos discursos que geram a homofobia, a negação de direitos, e até uma suposta condenação ao inferno...

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