quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Um papa da América Latina


Que diferença faz o papa ser da América Latina? José María Castillo responde:

Os gregos inventaram a metafísica. E a Grécia fica na Europa. Os romanos inventaram o direito que temos. E Roma fica na Europa. Os escolásticos medievais canonizaram a metafísica e o direito. E isto também ocorreu na Europa. Por isso, a Europa engendrou o pensamento dogmático, que é primo-irmão do pensamento absoluto. E parente também do pensamento excludente. Logo, os grandes conquistadores, que também nasceram na Europa, empunhando as bulas papais (Nicolau V, em 1454, Alexandre VI, em 1493, Leão X, em 1516, e Paulo III, em 1534), viram-se no direito de “fazerem dos habitantes da África seus escravos” (sic) e de se apropriar do ouro e demais objetos preciosos descobertos na América.
É verdade que a Ilustração colocou tudo isto de pernas para o ar. Entretanto, não é menos certo que as estruturas de pensamento, reitoras da cultura que a Europa produziu (e exportou), continuam aqui, entre nós e conosco, ditando, a partir de nós, os filhos da Europa, como deve funcionar o mundo. E, é claro, a religião.
Pois bem, é aqui onde eu gostaria de chegar. Porque o fato é que, até o atual papa, todos os papas que existiram no mundo nasceram no Império onde havia nascido a metafísica e o direito, a escolástica e os dogmas, o pensamento absoluto e a coerência de cada absoluto, confrontada com todos os que resistem em admitir ou tolerar outras possíveis coerências, que, segundo se diz agora, não passam de um “pensamento fraco”.
Francisco é o primeiro papa que veio de outra cultura, de outra história, de outra forma de se situar diante da vida e de seus problemas. Francisco, é claro, leu metafísica e teologia escolástica. Porém, o que forma uma pessoa não é o que lê ou estuda, mas a cultura em que nasce, cresce e se educa. Francisco não se formou na cultura da Europa, mas na daAmérica Latina, onde a vida é enfrentada de uma forma que, lá, um europeu vê coisas que não consegue explicar. Vivi isto durante anos. Vi “velhinhas” que vão à missa com véu, medalhas e escapulários daqueles que minha avó usava. Mulheres que rezam para um santo tão simples e tão antigo que dá arrepio de ver. Porém, essas mesmas mulheres, piedosas de dois séculos atrás, assim que termina a missa, vão para a rua, fazendo barulho, para defender um padre “vermelho” que está sendo algemado pela polícia porque defendeu um sujeito que não fez mal para ninguém.
Aqui, sentimo-nos desconcertados quando nos dizem que o Papa pensa em canonizar João Paulo II e Pio XII. Como é possível que queira fazer isso e, ao mesmo tempo, também queira elevar aos altares João XXIII e dom Romero? Em definitivo, que Igreja este Papa quer?
Seguramente – isto é o que me parece –, Francisco deseja uma Igreja que tem seu eixo e sua consistência na bondade para com todos, na acolhida e na proximidade de todos, no respeito e na tolerância. No momento atual, existem pessoas que ficam nervosas se um bispo não permite a missa tradicional (em latim, de costas para o povo, etc). É importante que respeitemos a missa tradicional e as demais formas possíveis (e aceitas pela Igreja) de recordar a Ceia do Senhor.
O papa Francisco não tem pelos na língua para dizer, a cada um, o que precisa dizer. Contudo, da mesma forma que diz o que tem para dizer, com a mesma sinceridade, deixa em paz os que não pensam como ele. Jesus deixou claro que não estava de acordo com os fariseus, mas comeu nas casas dos fariseus, da mesma forma, dividiu a mesa com publicanos e pecadores. E o Evangelho não ficou claro?
Quando vamos aceitar, de uma vez, que aquilo que importa na vida é a bondade? Francisco, com a mentalidade do continente onde nasceu a teologia da libertação dos pobres, está abrindo um novo caminho para a Igreja, para cada um de nós. Francisco não está desconcertado. Na realidade, ele desconcertou a nós todos que temos o Helenismo mais integrado em nossas vidas do que o Evangelho. Ou pretendemos que um latino-americano se situe diante dos problemas da Igreja e da vida como nós, os europeus?
Há aqueles que pensam que Francisco não pode com a Cúria. E se pode, por que ainda não tomou medidas importantes? Vivi muito tempo na América Latina, do México à Argentina. E sei muito bem que o sentido do tempo e da pontualidade, ali, é diferente da forma como é na Europa. Quando você pergunta o horário que irá começar o ato e lhe respondem: “agorinha”, ninguém sabe, nem pode saber quando começará e isto já nos tira a paciência. Dizer que Francisco, por sua lentidão na tomada de decisões, está desorientado, isto sim é uma desorientação das boas.
Francisco não disse para ninguém que “agorinha reformo a Cúria”. Não é isso. Simplesmente, insisto mais uma vez no que já disse: Francisco sabe muito bem o que quer. E sabe os passos que precisa dar. Contudo, que ninguém tenha medo. Se há algo que se encontrará neste Papa é o respeito.  A não ser que passemos do limite que separa o que é “pecado” do que é “crime”. Porque se falamos de crimes, já se sabe o que se espera para o criminoso.
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