sábado, 17 de agosto de 2013

Minorias e a arte da deflexão



Dia desses passei por um post na internet falando que as minorias estavam virando maioria. Li uma boa parte, tentando entender o argumento do escritor. Lá ele falava que as minorias em suas exigências tornavam-se tão arbitrárias quanto a maioria. Há um erro nesse tipo de julgamento - além da distorção óbvia: minorias não estão ficando arbitrárias, minorias são pessoas. Seres humanos com erros e acertos, seres humanos nem sempre equilibrados como quase todos os outros. Ora, se são seres humanos, não é porque eles reivindicam algo certo que eles terão que ser coerentes em todos os aspectos da vida.

Vejo muita gente achando-se correta ao dizer "as minorias já têm muitos direitos", porém esse raciocínio presumidamente lógico carece de um fator importante, que é o conhecimento de causa. É fácil afirmar que as minorias têm muitos direitos lendo leis e assistindo TV, porém, quando olhamos para o mundo além das letras impressas e das telas animadas percebemos que direitos é uma noção ainda utópica quando se fala de minoria.

Lei Maria da Penha, PLC 122 (me recuso a chamar um projeto de lei tão amplo de Lei contra Homofobia apenas), Constituição Brasileira, são alguns exemplos de textos utópicos aprovados por um Poder Legislativo incompetente, não executadas por um Poder Executivo parcial e não fiscalizadas por um Poder Jurídico fingido.

Então, antes de dizer que "as minorias tem direitos demais, mas, ei, não sou preconceituoso" ou algo similar, lembre-se que a cada 12 segundos uma mulher é estuprada. Setenta por cento dos gays de São Paulo já foram agredidos, há mais de 45 milhões de pessoas com deficiência e mais de 16 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza no Brasil. As minorias não tem direitos assegurados, elas tem papéis carimbados e assinados.

São pequenas agressões diárias, pequenas piadas, pequenos desaforos que engrossam e embasam esses números. Quantas vezes você xingou, nem que fosse mentalmente, alguém de viado? Quantas vezes xingou uma pessoa de gorda? Ou pensou com desdém "só podia ser coisa de preto/pobre"? Já fiz todas as coisas acima, e o chocante é perceber que todas as vezes que falei algo assim foi automaticamente. Não houve um filtro entre o que meu consciente pensa e minha boca. Escapou o que mais tinha em meu subconsciente, eu que sou gorda, filha de negro pobre, criada na periferia e que tenho dezenas de amigos queridos que são gays. É muito triste perceber que por mais que tentemos nós acabamos reproduzindo aquilo que tanto nos falam. Aquilo que tanto criticamos.

Muita gente se incomoda com os ativistas radicais. Acham que eles são uns chatos que vêem preconceito em tudo quanto é lugar. O problema é que há preconceito em todo lugar, porém, a maioria das pessoas fica calada enquanto uns poucos corajosos colocam a boca no trombone chamando atenção para aquela situação. Os ativistas radicais são extremamente necessários, precisamos deles para incentivar os incomodados que temem, para cutucar aquela ferida que preferimos esconder ao invés de tratar. E quando um movimento começa a ganhar visibilidade a primeira coisa que quem quer manter o sistema faz é tentar descreditar o discurso dele. Apontam para falhas pessoais de seus líderes, para problemas na organização, aproveitam-se dos preconceitos para deslegitimar um movimento legítimo, usando balelas como esta de que as minorias já tem direitos demais.

Por isso afirmo que não há direito demais para as minorias. Há minorias demais para poucos direitos, respeito de menos para necessidades demasiadas. O seu direito só é reforçado no momento que um direito é assegurado para alguém que não o tinha, não o contrário. Não classifique direitos como algo econômico que quando um usufrui outro perde. Direito e respeito são coisas que podemos usar sem medo de acabar.

- Rebeca Duarte, no sempre excelente e imperdível Minoria é a Mãe

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