sábado, 3 de agosto de 2013

A Igreja da empatia


O teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão, publicou o artigo abaixo no jornal La Repubblica, 30-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto, para o IHU.

É muito provável que os comentários sobre as declarações do papa sobre as pessoas homossexuais se dividam em duas correntes contrapostas entre si.

De um lado, aqueles que desejam uma decisiva reforma das posições da Igreja Católica entenderão as palavras do papa como revolucionárias, diferentes, anunciadoras de mudanças. De outro lado, aqueles que pretendem conservar o status quo lerão as mesmas palavras do papa como totalmente coerentes com as posições de sempre, aquelas reiteradas várias vezes por João Paulo II e Bento XVI.

E é preciso dizer, na verdade, que, na ausência de atos efetivos de governo do Papa Francisco voltados a modificar a legislação canônica vigente, ambas as posições têm a sua legitimidade própria. De fato, o papa não disse nada que Bento XVI também não teria assinado embaixo, dizendo que: 1) as pessoas homossexuais como tais devem ser acolhidas e em nada discriminadas, enquanto os atos sexuais delas não podem encontrar acolhida dentro da ética católica; 2) para os divorciados em segunda união, o primado deve ser atribuído à misericórdia; 3) a mulher deve ter mais espaço no governo da Igreja, mesmo que a Igreja não poderá chegar a lhe conceder a admissão ao sacerdócio, excluído das mulheres católicas definitivamente.

Por que, então, por parte de todos no mundo se sente nas palavras do papa uma sensação de novidade e de esperança, de inovações? Por que esse entusiasmo por palavras que, nos conteúdos, não modificam em nada a tradicional abordagem ética e dogmática católica? Eu penso que seja pelo clima de empatia que circunda a pessoa do pontífice e pela necessidade de mudança e de reforma que os católicos de todo o mundo sentem. Mas especialmente pela frase, esta sim totalmente inovadora para um papa, "quem sou eu para julgar?". Uma frase que, a meu ver, nem Bento XVI nem João Paulo II jamais poderiam ou quereriam pronunciar.

Essas palavras colocam o papa não mais entre os chefes de Estado e os poderosos deste mundo, que, por definição, julgam, mas sim entre os discípulos de Jesus atentos a pôr em prática as palavras do Mestre: "Não julguem e não serão julgados; não condenem e não serão condenados, perdoem e serão perdoados" (Lucas 6, 37). De tudo isso, porém, deve brotar uma consequente ação de governo, finalmente sob a insígnia da novidade evangélica (assim como são os gestos extraordinariamente simples e poderosíssimos desse papa).

Eu falei antes de empatia e gostaria de salientar que a empatia é muito importante, não só, como é óbvio, em nível psicológico, mas também em nível teológico. O termo, de fato, remete à palavra grega pathos, que significa paixão, e que constitui um dos conceitos centrais do cristianismo, a partir da paixão de Cristo e do amor que define a essência de Deus, amor que, por sua vez, é paixão e gera paixão.

O fato de que o Papa Francisco seja cercado por um abraço de empatia em nível mundial não se explica apenas em nível humano pela sua carga pessoal e pela espontaneidade e a simplicidade dos seus gestos; explica-se também em nível teológico e espiritual pelo seu ser capaz de representar a paixão de Deus pelo mundo.

Portanto, a empatia que circunda o papa (e que nos leva a ver em cada palavra sua algo de novo mesmo quando, por si só, não haja nenhuma novidade) é extremamente preciosa, é um sinal do Espírito, diríamos na linguagem teológica. E o papa não a deve decepcionar, deve estar à sua altura até o fim, indo ao encontro da necessidade de mudança que a maioria dos católicos no mundo sente com relação à Igreja.

De fato, é insustentável a posição católica tradicional com relação tanto às pessoas homossexuais, quanto às pessoas divorciadas, quanto ao papel atualmente ocupado pelas mulheres dentro do governo da Igreja. E é preciso coerência: não se pode proclamar em palavras o respeito pelas pessoas homossexuais e a sua igual dignidade de filhos de Deus e, depois, julgar a sua condição como condenada pela lei natural e pela Bíblia.

Ao contrário, se verdadeiramente se quer mostrar de modo concreto o respeito de que se fala com relação a eles, é preciso pôr em ação hermenêuticas consequentes tanto da lei natural (a ser entendida em sentido formal como harmonia das relações, e não como definições de papéis e de comportamentos), quanto das passagens bíblicas que condenam as pessoas homossexuais relegando tais páginas ao lado daquelas que favorecem a guerra ou a inimizade com relação às outras religiões (e que não merecem ser levadas em consideração). Ou seja, é preciso chegar ao evangélico "não julgar" e "não condenar".

Do mesmo modo, se verdadeiramente se quer que a misericórdia tenha o primado para os divorciados em segunda união, é preciso pôr em ação uma disciplina canônica dos sacramentos que lhes conceda que eles se aproximem sem nenhuma discriminação (assinalo, a esse respeito, o recente livro de Oliviero Arzuffi, Caro papa Francesco. Lettera di un divorziato, Ed. Oltre).

Da mesma forma, enfim, se verdadeiramente se quer que a mulher tenha maior poder dentro da Igreja, deve-se proceder em conformidade e, mesmo sem chegar à ordenação sacerdotal, deve-se permitir que as mulheres se tornem cardeais e ministros com plenos poderes de governo da Igreja (hoje, para se acessar ao cardinalato, é preciso ser diácono ou sacerdote, e as mulheres podem ter acesso ao diaconato, como testemunha o Novo Testamento, basta lê-lo e aplicá-lo).

"Quem sou eu para julgar?", disse o papa, e nisso se fez discípulo de Jesus. Mas Jorge Mario Bergoglio, como pontífice reinante, pode fazer com que essa mentalidade não julgante se torne a prática corrente da Igreja com relação às pessoas homossexuais e aos divorciados em segunda união. Diante dele, está a tarefa de não decepcionar a empatia que o circunda e as esperanças de renovação evangélica de muitos crentes e "pessoas de boa vontade".

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