segunda-feira, 29 de julho de 2013

O debate sobre a criminalização da homofobia


Reproduzimos aqui uma importante nota de esclarecimento sobre a criminalização da homofobia, publicada originalmente aqui, por acreditarmos na importância do debate bem informado e bem fundamentado.


NOTA PÚBLICA DE ESCLARECIMENTO AO SENADOR PAULO PAIM E À POPULAÇÃO BRASILEIRA

A Lei nº 7.716/89 (conhecida como lei antirracismo), originalmente punia APENAS manifestações de preconceito decorrentes de “RAÇA OU COR”. Posteriormente foi aprovada a Lei nº 9.459/97, que acrescentou (nos artigos 1º e 20º) “ETNIA, RELIGIÃO E PROCEDÊNCIA NACIONAL”. São conquistas importantes decorrentes da luta de cidadãos por visibilidade e respeito. Entretanto, há outros grupos vulneráveis que precisam de proteção legal. Como aceitar que se criminalize a discriminação por religião, mas não o preconceito contra a pessoa com deficiência, por exemplo? Logo, como aceitar a não-criminalização de outras formas de discriminação que notoriamente assolam a sociedade?

A Constituição da República, desde 1988 – portanto há vinte e quatro anos e exatos cinco meses – estabelece entre os OBJETIVOS FUNDAMENTAIS da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos, sem preconceitos e discriminações de quaisquer espécies (artigo 4º, incisos I a IV). Esta mesma Constituição também destaca que todos são iguais perante a lei, não admitidas distinções de quaisquer natureza, garantindo-se a todos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança (dentre muitos outros), bem como determina a obrigatoriedade da criminalização do racismo e de quaisquer discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (artigo 5º, 'caput' e incisos XLI e XLII).

Em razão disso, a Senadora Fátima Cleide (PT-RO), após ampla discussão, inclusive com os setores mais conservadores, elaborou uma emenda, aprovada pela Comissão de Assuntos Sociais (Emenda nº 01 - CAS), incluindo as demais modalidades de discriminação NA LEI EM VIGOR (Lei nº 7.716/89, c/redação dada pela Lei nº 9.459/97). Essa emenda, em síntese, se limitou a incluir, entre as discriminações criminalizadas por esta lei, aquelas praticadas em razão da orientação sexual, da identidade de gênero, do gênero, do sexo, da condição de pessoa idosa e da condição de pessoa com deficiência, fazendo-o também relativamente ao crime de injúria qualificada constante do artigo 140, §3º, do Código Penal. Em suma, o que o Substitutivo de Fátima Cleide fez foi simplesmente garantir uma igual proteção pena a vítimas de tais discriminações às vítimas de discriminações por cor, etnia, procedência nacional e religião, garantindo àquelas a mesma punição que se atribui a estas.

Parece, portanto, que o Senador Paulo Paim não entendeu qual é o texto que toda a população LGBT e demais pessoas comprometidas com a luta contra toda e qualquer forma de discriminação têm se empenhado para que seja aprovado. O que Paim deveria fazer, portanto, era tentar convencer seus pares de que o PLC 122/06 não viola a liberdade de expressão por visar apenas garantir que as discriminações por orientação sexual, por identidade de gênero, por condição de pessoa idosa e com deficiência sejam punidas da mesma forma que as discriminações por cor, etnia, procedência nacional e religião. Deveria se esforçar para fazê-los ver que liberdade de expressão não é liberdade de opressão, como disse paradigmática faixa da última Marcha Nacional contra a Homofobia (2012). Deveria tentar convencê-los, portanto, que somente discursos de ódio, ofensas individuais e coletivas, discriminações e incitações/induzimentos ao preconceito e à discriminação são objeto de repressão pelo PLC 122/06. Um critério didático é o seguinte: "se não pode contra negros/religiosos, também não pode contra pessoas LGBT"... Jamais deveria simplesmente se conformar com a oposição arbitrária ao projeto...

Não é admissível se pretender criar hierarquias entre as formas de discriminação. Nem admissível nem constitucional.

O que se pretende é só e somente uma LEI ANTIDISCRIMINAÇÃO. Tudo o mais são falácias e esforços no sentido de construir animosidades e mal-entendidos: criar uma lei específica para a homofobia distinta e de forma mais branda do que a punição constante da Lei de Racismo gerará tal hierarquização de opressões e, com isso, não se pode concordar de forma alguma.

Sabe-se que a explicitação dos vetos ao racismo e à intolerância religiosa decorreram de lutas pela visibilidade e erradicação de tais práticas discriminatórias, que requereram historicamente o veto explícito na forma das mencionadas leis, dada a insuficiência do veto universal à discriminação, presente desde a Constituição Federal de 1988, para o enfrentamento de tais prejuízos aos referidos grupos específicos. Portanto, nada mais justo que incluir - na mesma perspectiva do reconhecimento de que grupos são vulneráveis a terem seu direito à não discriminação violado – o veto explícito à discriminação associada à condição idosa, à pessoa com deficiência, à orientação sexual e à identidade de gênero na nossa Lei de Racismo, que é, como diz o jurista Roger Raupp Rios, a nossa Lei Geral Antidiscriminatória que já pune as opressões relacionadas à cor, à etnia, à procedência nacional e à religião. Dado que não cabe do ponto de vista constitucional hierarquizar discriminações, visto que todas são inconstitucionais, pretende-se, portanto, igualdade no tratamento legal a diferentes grupos vitimados pela discriminação, fazendo justiça à igualdade do direito à não discriminação. Cabe, portanto, inclusão explícita do veto aos grupos referidos posto que os mesmos têm sido objeto de intensa discriminação na sociedade brasileira.

Ocorre que, com argumentos semelhantes aos que lutaram contra avanços como a Lei do Divórcio, por exemplo, setores conservadores visam impedir a promulgação da lei. Seu principal argumento é que esta feriria a liberdade de expressão – já consagrada na Constituição Federal – quando, de fato, desejam manter a liberdade de oprimir pessoas que discordam de seus preceitos morais. Nesse contexto, o Sr. Relator pretende procurar, como já foi feito anteriormente, uma "solução de consenso". Nessa matéria, entretanto, a expressão "de consenso" tenta demonstrar uma suposta disposição dos antagonistas ao PLC 122/2006 mas, na verdade, condena as LGBT a uma cidadania de segunda classe, como querem esses mesmos antagonistas, que nunca demonstraram disposição nenhuma com o projeto (só quiseram destruí-lo, nunca melhora-lo). É curioso como se insiste em chamar tais antagonistas ao debate, afinal, como escreveu o criminalista Túlio Vianna em antológico artigo: “O Congresso Nacional brasileiro não costuma convidar traficante de drogas para audiências públicas destinadas a debater se o tráfico de drogas deve ou não ser crime. Também não convida homicidas, ladrões ou estupradores para dialogarem sobre a necessidade da existência de leis que punam seus crimes. Já os homofóbicos têm cadeiras cativas em todo e qualquer debate no Congresso que vise a criar uma lei para punir suas discriminações. Estão sempre lá, por toda a parte; e é justamente por isso que a lei ainda não foi aprovada [...] O Direito Penal tem, neste momento histórico, um importante papel como instrumento de promoção de direitos. A Lei 7.716/89 tem sido, desde sua entrada em vigor, uma poderosa ferramenta no combate à discriminação racial. Que sirva também para combater a homofobia [do mesmo jeito que serve para combater o preconceito religioso]. Assim como hoje é considerado criminoso quem discrimina o negro [bem como o evangélico e o judeu], amanhã também deve ser quem discrimina a(o) homossexual, a(o) travesti, a mulher, a(o) idosa(o) e a(o) deficiente físico.

Em razão disso, nós, cidadãs e cidadãos comprometidos com a erradicação de todas as formas de discriminação neste país, não aceitaremos nada menos do que a LEI ANTIDISCRIMINAÇÃO, conforme elaborada pela Senadora Fátima Cleide, em 2009.

Esta mesma posição já havia sido objeto de consenso em 28 de Julho de 2011, na sede da APEOESP na capital paulista, após um intenso, rico e democrático debate, realizado em Plenária do Movimento LGBT de São Paulo em que estiveram presentes as seguintes organizações (aqui).

Assinam a nota: aqui.

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