quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A Igreja deveria estar no lado do debate livre


Reflexão brilhante, serena e assertiva de um jesuíta e cientista político sobre a Igreja e o quadro político, diante da reeleição de Obama e do avanço do casamento gay.

Existe um ''plano B político'' para os bispos dos EUA?
Depois de uma derrota eleitoral tão imponente, é hora de os bispos dos EUA reexaminarem a sua estratégia política. A atual estratégia não está funcionando, e não há nenhuma indicação de que irá funcionar melhor no futuro.

A análise é do jesuíta norte-americano Thomas J. Reese, membro sênior do Woodstock Theological Center, da Georgetown University, e ex-diretor da revista America, dos jesuítas dos EUA. O artigo foi publicado no jornal National Catholic Reporter, 11-11-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Enquanto os bispos dos Estados Unidos se reúnem em Baltimore esta semana para o seu encontro anual, eles, assim como todo o resto do país, estarão falando sobre a eleição da semana passada. Os bispos dos Estados Unidos levaram uma surra nas urnas. Não apenas o presidente Barack Obama foi reeleito apesar dos seus ataques sobre ele; os bispos também perderam em referendos estaduais sobre o casamento homossexual.

Como todos os norte-americanos, os bispos têm um direito constitucional de participar do processo político. Eles podem debater as questões, criticar os candidatos e expressar publicamente as suas opiniões. Eles podem até apoiar candidatos, contanto que não o façam nas propriedades da Igreja e nem usem os fundos da Igreja para apoiar um candidato ou partido. De fato, eles podem até concorrer à presidência, como fez o Pe. Pat Robertson e o Pe. Jesse Jackson. A Constituição dos EUA não proíbe isso; é o direito canônico católico romano que o proíbe.

Mas o que é constitucional nem sempre é eficaz ou prudente. Claramente, a estratégia política dos bispos não está funcionando. A maioria dos católicos votou em Obama, e os ativistas gays ganharam todos os referendos. Os candidatos republicanos ao Senado do Missouri e de Indiana, que assumiram as mais duras posições sobre o aborto, também foram derrotados quando se esperava que os republicanos vencessem essas disputas.

Então, para onde os bispos irão a partir daqui? Alguns bispos vão culpar os políticos católicos que defendem o direito ao aborto e exortarão que sejam excluídos da Comunhão. As irmãs, padres e teólogos que exortaram os eleitores a levar em consideração uma ampla gama de questões de justiça também serão culpados. Esses bispos não verão nenhuma necessidade de mudança na estratégia política. "Os bispos precisam ser mais duros; os dissidentes precisam ser punidos; toda velocidade à frente!".

Muitos bispos, que ficaram em silêncio durante a eleição, estão cansados da notoriedade que os bispos políticos recebem. Eles preferem que as suas paróquias fiquem livres da política partidária. Mas, como os meios de comunicação têm dificuldade para cobrir o silêncio, os bispos políticos levam toda a tinta e o tempo de programação. Isso faz com que pareça que esses bispos estão falando por todos os bispos.

Felizmente, a portas fechadas, alguns bispos reconhecerão que a estratégia atual não está funcionando e perguntarão: "Existe uma forma melhor? Existe um plano B?". Aqui, eu estou escrevendo como cientista político, não como padre ou teólogo. Eu não estou desafiando o ensino da Igreja. Estou questionando a estratégia política.

O primeiro passo no plano B deveria ser escutar. Os bispos precisam ouvir aqueles eleitores católicos que ignoraram os seus conselhos e descobrir por quê. Toda a premissa por trás do "No Child Left Behind" [programa do governo norte-americano para acabar com as diferenças no desempenho escolar] é que, quando os estudantes fracassam, nem sempre a culpa é deles. Os professores precisam examinar como eles ensinam para que os alunos possam aprender. Os bispos precisam ouvir.

Segundo, qualquer nova estratégia precisa ser realista. Dada a atual situação política, o que é possível? A estratégia política não pode ignorar os dados. Na última eleição, os republicanos ignoraram os dados de pesquisa e realmente acreditaram que ganhariam a presidência e o Senado. A grande onda de eleitores republicanos nunca apareceu.

Quais são os dados que os bispos precisam examinar?

Primeiro, é claro que há um tsunami iminente de eleitores jovens que acabarão tornando o casamento homossexual legal na maioria dos Estados da união. A probabilidade de parar esse tsunami é muito baixa. Enquanto os adversários mais velhos do casamento gay morrem, eles são substituídos por eleitores mais jovens que têm amigos que são gays. Este é um mundo novo. Se você sabe que vai perder uma luta, você quer lutar de uma forma que lhe cause o mínimo de danos. Táticas que enfurecem os seus adversários tornarão mais difícil aos bispos obter as isenções que eles desejam nessa nova realidade.

Por exemplo, depois que os bispos gastaram um milhão de dólares lutando contra o casamento gay em Massachusetts, não foi nenhuma surpresa que os ativistas gays lutaram contra a isenção dos serviços católicos de assistência social e de adoção de atender a casais homossexuais. Eles viam isso como uma vingança política. Em última análise, os bispos podem ser forçados a tratar casais do mesmo sexo da mesma forma que tratam divorciados e casais em segunda união cujos casamentos não são aprovados pela Igreja. A Igreja não gosta desses casamentos, mas eles são reconhecidos como legais pelo direito civil.

Segundo, apesar de todos os esforços dos bispos e dos ativistas antiaborto, o país está tão dividido sobre o aborto hoje como estava há décadas. Pesquisas de opinião pública mostram que as pessoas não gostam do aborto, mas não querem torná-lo ilegal. Ninguém veio com uma estratégia para mudar a mente do público. Mesmo que a decisão Roe versus Wade fosse invertida, o aborto ainda seria legal na maior parte do país. Aqueles que vivem em um Estado onde ele é ilegal poderiam facilmente ir até um Estado onde ele é legal.

Se tornar o aborto ilegal é um sonho impossível no atual ambiente político, qual é o plano B? O plano B deve ser trabalhar com políticos de qualquer sigla, incluindo políticos que defendem o direito ao aborto, para apoiar programas que reduzam o número de abortos.

Os bispos devem ir ao encontro de todos os políticos e grupos que estejam dispostos a apoiar programas que ajudem as mulheres a manter e a criar os seus filhos. É possível concordar com os políticos em algumas coisas e discordar com eles em outras. Simplesmente alinhar a Igreja aos políticos republicanos, que prometem fazer algo sobre o aborto, mas que, em seguida, cortam programas que ajudam as mulheres, é uma estratégia fracassada. Em vez de melhorar as coisas, isso só as piora. O plano B significa voltar à ética de vida coerente promovida pelos bispos no passado.

Alguns bispos vão rejeitar essa estratégia como pragmática e não profética. Mas vivemos em um mundo imperfeito. Dado que o sonho de tornar o aborto ilegal é impossível, então o imperativo moral é fazer todo o possível para reduzir o número de abortos.

Os bispos também precisam pôr de lado táticas que são contraproducentes. Usar uma retórica excessiva, como comparar o presidente a Adolf Hitler ou a Joseph Stalin, ou acusar o governo de estar fomentando uma guerra contra a religião, torna difícil formar coalizões para alcançar objetivos alcançáveis.

Banir políticos que defendem o direito ao aborto ou eleitores católicos da Comunhão é contraproducente. Tal proibição não é a posição oficial da Igreja, mas muitos bispos estão fazendo isso (e poucos bispos estão criticando essa prática) que muitos veem como a política da Igreja. Toda vez que você tem que usar o poder ao invés da persuasão em um debate político, você perdeu. Isso também reforça o fato de ver o aborto como uma questão católica baseada na fé, e não como uma questão de direitos humanos com base na razão.

Banir políticos que defendem o direito ao aborto e defensores do casamento gay das universidades católicas também é contraproducente. Isso faz com que os bispos pareçam fracos, e não fortes. Isso diz ao mundo que os bispos pensam que os seus argumentos são tão fracos que eles não podem permitir que os estudantes ouçam os seus oponentes. Qualquer estratégia baseada na censura ao invés da persuasão fracassou antes que uma palavra seja pronunciada. A Igreja deveria estar no lado do debate livre e aberto, porque "a tradição católica afirma", nas palavras de Bento XVI, "que as normas objetivas que governam o reto agir são acessíveis à razão, prescindindo do conteúdo da Revelação".

Eu não reivindico o fato de possuir uma estratégia infalível para os bispos, mas, depois de uma derrota tão imponente, é hora de os bispos reexaminarem a sua estratégia política. A atual estratégia não está funcionando, e não há nenhuma indicação de que irá funcionar melhor no futuro.

Fonte

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