quarta-feira, 6 de junho de 2012

"Somos todos iguais. Ou não?"


Safo foi uma pensadora, considerada por Platão a décima musa. Mas então por que ela não foi reconhecida como tal na Grécia Antiga? Mulher não tinha vez. Seu único papel social era de reprodutora e “cuidadora” do lar. Trocando em miúdos, um bibelô dos homens. Ela se rebela, cria uma escola só para mulheres, em Mitilene, capital da Ilha de Lesbos, com ensinamentos de poesia, dança e música. Tal foi o preconceito quanto ao talento e às atitudes vanguardistas de Safo que precisaram lhe incutir algum “defeito”. Claro, corruptora de mulheres! Já que vivia cercada delas. A força dessa “medalha” foi tamanha que até hoje se define como “lésbica” a mulher que se relaciona sexualmente com outra. E se, em 1476, Leonardo da Vinci tivesse sido condenado à fogueira no Tribunal de Florença por crimes sodomitas (nome dado a homens que mantinham relações com outros homens)? O que a Humanidade teria perdido de obras artísticas, científicas e culturais?

Apenas dois exemplos, aparentemente distantes no tempo, para ilustrar esta caminhada. Por que permanece acesa essa fogueira da inquisição até o século XXI? Obama reconheceu. Que se apague esse fogo! O fogo do preconceito, que fique claro, mas que a chama da liberdade, do amor e da pluralidade arda incessantemente! Por falar em pluralidade, ela tem duas outras companheiras também regidas pela Constituição Federal: a dignidade e a igualdade. Se somos iguais perante a lei, por que a união de pessoas do mesmo sexo deve ser diferente?

Não estamos tratando de religião, como a palavra casamento pode soar aos nossos ouvidos. Tratamos aqui de um contrato especial de direito de família. Simples assim: vamos nos casar? Vamos ao cartório selar esta comunhão. Mas, até hoje, mesmo com alguns avanços jurídicos, não é bem assim. A união estável tem profundas diferenças do casamento civil. Neste, existe mudança do estado civil para casado, a intenção primordial da formação de família e direitos de proteção do cônjuge em caso de morte ou separação. Na união estável, trata-se de uma decisão judicial com exigência de que o casal recorra à justiça para tal reconhecimento.

Fundamentalistas se baseiam na ideia da existência exclusiva da formação de casal somente entre homem e mulher para condenar a aprovação do casamento igualitário. Só para lembrar, o casamento homossexual foi proibido pela primeira vez apenas no ano de 342 d.C. por um decreto romano. Até então era permitido. Ora, a escravidão era permitida legalmente até que a Lei Áurea foi assinada. Ora, as mulheres não tinham direito a voto até 1932. Hoje, elas chegam ao topo do poder de grandes nações. E imaginar que a gente nem votava há exatos 80 anos parece um completo absurdo! O mundo muda, as famílias mudaram, e as leis têm obrigação social de acompanhar essa evolução.

Até os contos de fadas sofreram mudanças e atualizações. Chapeuzinho Vermelho se transformou em “A Garota da Capa Vermelha”, uma versão noir da clássica neta e mocinha. Rapunzel virou animação bem-humorada em “Enrolados”, e “A Bela e a Fera” passou por uma profunda repaginada para se atualizar aos desejos deste público moderno.

Fiz a minha parte. Compus um conto de fadas com direito a castelo, dragão, duelos e cavaleiros, permeados por um amor capaz de vencer todos os obstáculos. É a história de “A Imperatriz e a Princesa”. Canção que encerra “Eu Raio X”, meu último álbum, e que, espero, traga a todos a inclusão que questiono aqui: dignidade, pluralidade e igualdade para que sejamos TODOS “tão felizes para sempre”!

- Isabella Taviani é cantora
Publicado originalmente no jornal O Globo. Reproduzido via Conteúdo Livre

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