domingo, 20 de maio de 2012

A Ascensão do Senhor

Imagem daqui

Ele chama a mostrar sinais e a não se fechar numa ideologia. É uma mudança de mundo que perde seu mau espírito, que fala um sermão novo, que não tem mais medo de nada porque ele tem confiança e porque ousa curar o Homem.

A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do Domingo da Ascensão (20 de maio de 2012). A tradução é de Susana Rocca.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Referências bíblicas:
1ª leitura: At 1,1-11
2ª leitura: Ef 4,1-13
Evangelho: Mc 16, 15-20

Festa da Ascensão é a segunda face da Páscoa. Todavia, constitui a primeira face, quando tomado cronologicamente em relação aos discípulos, que experimentaram primeiro a Ausência de Jesus, a sua Ascensão, antes de experimentar a sua Presença nova, a sua Ressurreição, no coração da Igreja nascente. Em outras palavras, se a Ressurreição de Cristo marca o começo de um mundo novo, o início da criação nova, foi preciso a Ascensão para que os primeiros cristãos o realizem. Nesta festa da Ascensão do ano B, os textos bíblicos que nos são propostos comportam belas mensagens de esperança que exprimem essa dupla realidade da nossa fé cristã: Cristo está, ao mesmo tempo, no céu e na terra, assim como nós estamos, ao mesmo tempo, na terra e já no céu.

1. Uma Ausência que se faz Presença: A Páscoa é a festa da Presença. Jesus está ressuscitado, ele está vivo, seus próximos o encontraram. Por outro lado, como falar dessa presença, quando foi difícil reconhecer o Cristo Ressuscitado? Era ele mesmo, mas era diferente do Jesus com quem eles tinham se encontrado, conhecido, amado e servido. Jesus morreu, ele partiu; isso é uma evidência. É preciso viver essa realidade para descobrir que ele está presente de outra maneira, mas realmente. Além do mais, não foi preciso que Jesus partisse para que ele nos desse seu Espírito? Não disse o Cristo do evangelho de João: “Entretanto, eu lhes digo a verdade: é melhor para vocês que eu vá embora, porque, se eu não for, o Advogado não virá para vocês. Mas se eu for, eu o enviarei” (Jo 16,7)?

Isso não pode ser mais claro: foi preciso a Ascensão para que o Pentecostes chegasse. O teólogo Michel Deneken escreve: “A Ascensão é uma maneira de morrer aos olhos e de nascer ao coração”. E ele acrescenta: “Isso traz uma verdade psicológica básica. A ausência é uma condição necessária para viver... como a morte. A ausência de Jesus é abertura da liberdade a esse vento que sopra onde ele quer e quando ele quer. Jesus se retira do olhar psíquico dos humanos para iluminar todos aqueles e aquelas que o Espírito habita”.

2. Se Cristo é vivo e presente, não pode sê-lo senão de nós: as narrativas da Ascensão são sóbrias como aquelas da Páscoa. O evangelho de Marcos não trazia nem narrativas de aparições nem a narrativa da Ascensão. O evangelho de Marcos conclui-se com o medo das mulheres no túmulo e com o silêncio delas (Mc 16,1-8). Um escriba do século II, que achava que o final de Marcos era insustentável, compôs uma narrativa que se inspira nos outros evangelhos e o acrescentou ao evangelho de Marcos (Mc 16,9-20). Encontramos, então, nesse acréscimo alusões à aparição à Maria Madalena do evangelho de João (Mc 16,9), à dúvida dos discípulos, quando as mulheres vieram lhes anunciar que o Jesus do evangelho de Lucas estava vivo (Mc 16,10-11), aos discípulos de Emaús do evangelho de Lucas (Mc 16,12), à aparição aos Onze dos evangelhos de Lucas e de João (Mc 16,14), ao envio para missão do evangelho de Mateus (Mc 16,15-16), e finalmente aos sinais que acompanham a realização da missão cristã do evangelho de Marcos (Mc 16,17-18).

Esse autor do século II, que escreveu tardiamente e que refletiu sobre a Páscoa, disse, ao mesmo tempo, que o Cristo ausente fica presente através dos seus discípulos: “Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi levado ao céu, e sentou-se à direita de Deus" (Mc 16,19). “Os discípulos então saíram e pregaram por toda parte. O Senhor os ajudava e, por meio dos sinais que os acompanhavam, provava que o ensinamento deles era verdadeiro” (Mc 16,20). É o que fez dizer a Santo Agostinho no século IV: “Cristo não deixou o céu quando ele desceu até nos, e ele não nos deixou quando ele subiu ao céu”.

3. Jesus, novo Elias: Lucas começa o livro dos Atos dos Apóstolos como ele tinha começado seu evangelho, dirigindo-se a certo Teófilo, personagem real ou literária, mas seguramente teológica, que significa: amigo de Deus. Contrariamente ao seu evangelho, onde São Lucas situa a Ascensão na noite da Páscoa (Lc 24,50-53), aqui, no início do livro dos Atos dos Apóstolos, ele a situa quarenta dias após a Páscoa, isto é, o tempo teológico necessário para que os discípulos possam realizar a sua missão cristã. São duas maneiras de apresentar, no tempo, um mistério que escapa ao tempo.

Para São Lucas, Jesus foi o profeta por excelência, o novo Elias. É por isso que a realização do evento da Ascensão nos remete à cena da ascensão do profeta Elias, no segundo livro dos Reis (2R 2,1-14), onde o profeta Eliseu, seu discípulo, receberia a plenitude do espírito profético de Elias, se ele visse a elevação celeste do seu mestre. E ela a viu! Da mesma maneira, os apóstolos herdam o Espírito de Cristo porque eles o veem elevar-se até o céu: “Depois de dizer isso, Jesus foi levado ao céu à vista deles” (At 1,9). Para São Lucas, sendo que se trata da segunda face da Páscoa, os dois homens de branco que se dirigiam às mulheres na manhã da Páscoa para lhes dizer: “Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que está vivo?” (Lc 24,5), são as mesmas que dizem aos apóstolos que olhem para o céu: “Homens da Galileia, por que vocês estão aí parados, olhando para o céu?” (At 1,11). No fundo, não é a hora de contemplação nem de nostalgia; mas a hora da missão: “Mas o Espírito Santo descerá sobre vocês, e dele receberão força para serem as minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até os extremos da terra” (At 1,8). Eis a missão cristã de todos os tempos.

4. A unidade na diversidade: O tema da carta aos Efésios é a unidade na diversidade: “Mantenham entre vocês laços de paz, para conservar a unidade do Espírito” (Ef 4,3). Mas atenção! A uniformidade não é garantia de unidade; a unidade se constrói na diversidade. Há, certamente, os dons de cada um para que se construa o corpo de Cristo que nós formamos: “Foi ele quem estabeleceu alguns como apóstolos, outros como profetas, outros como evangelistas e outros como pastores e mestres” (Ef 4,11). Todos esses dons foram dados por amor e devem ser recebidos no amor. É por isso que São Paulo convida toda a Igreja a adotar o seguinte comportamento: “Sejam humildes, amáveis, pacientes e suportem-se uns aos outros no amor” (Ef 4,2). É a única maneira de construir a unidade e de realizar a missão cristã que é a nossa: “A meta é que todos juntos nos encontremos unidos na mesma fé e no conhecimento do Filho de Deus, para chegarmos a ser o homem perfeito que, na maturidade do seu desenvolvimento, é a plenitude de Cristo” (Ef 4,13).

Para concluir, a Boa Nova a anunciar é sempre atual, pois Cristo está sempre vivo e ele fala e age através das mulheres e dos homens do nosso tempo. Se hoje a mensagem não tem sido transmitida e as pessoas parecem indiferentes, sem dúvida é porque como Igreja nós temos dificuldade em atualizar a Palavra de Deus às novas realidades vividas pelas mulheres e pelos homens. O problema não é a Páscoa nem a Ascensão, tampouco o Pentecostes. O problema está na linguagem para falar nesta realidade do mistério pascal. No fundo, o problema não está do lado de Deus nem de Cristo. Mas do nosso lado: nós somos frequentemente incapazes de falar de Deus e de testemunhar o Cristo Ressuscitado ao mundo atual.

Gostaria de terminar com esse bonito comentário do exegeta francês Jean Debruyenne que diz: “Antes da sua partida do visível para entrar no invisível, Jesus lança um último apelo aos crentes. Jesus chama a crer. Ele chama a mostrar sinais e a não se fechar numa ideologia. Os sinais do crente não são um sistema ou uma mágica, trata-se de um começo, de uma boa nova que não é simplesmente boa mas que é também novidade. É uma mudança de mundo que perde seu mau espírito, que fala um sermão novo, que não tem mais medo de nada porque ele tem confiança e porque ousa curar o Homem”.

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