segunda-feira, 14 de maio de 2012

Cardeal apela por uma Igreja aberta à diversidade e ao amor ao próximo

Imagem daqui

O cardeal D. Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício da Cultura, propôs esta noite [ontem] no Santuário de Fátima um modelo de Igreja assente na abertura à diferença e no amor ao próximo.

Na homilia da missa, enviada ao Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, o prelado italiano recordou o excerto da Bíblia onde se narra a primeira conversão de um pagão ao cristianismo.


O especialista em estudos bíblicos apelou à superação de «distâncias e diversidades» e convidou as dezenas de milhares de fiéis a abraçarem o amor que penetra «nos caminhos obscuros da história, no subsolo do mal e do vício, no espaço do desespero e do ódio».

«Com ele [amor], entremos no horizonte gélido e sombrio do sofrimento dos nossos irmãos e das nossas irmãs, para aí acender a luz e o calor do amor que conforta e salva», disse.

D. Gianfranco Ravasi referiu-se também à Virgem Maria: «É ela que nos convida a acender a pequena vela do amor, em vez de pararmos a maldizer a noite do mal e do ódio que invade o mundo».

Segue a homilia na íntegra, aqui reproduzida via Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (Portugal).


Caros irmãos e irmãs,

Através da Palavra de Deus, que ressoou nesta noite de oração e neste recinto sagrado, faremos agora uma outra viagem espiritual, mais longa do que a procissão que realizámos guiados por Maria. Três são as cidades do espírito onde juntos vamos parar: ali escutaremos três diferentes vozes, todas porém assinaladas pela mesma mensagem.

A primeira cidade debruça-se sobre o Mediterrâneo ao longo da costa da Terra Santa: é Cesareia Marítima, a sede do governador imperial da Palestina no tempo de Jesus. Entramos num dos palácios, na residência de um oficial romano, o centurião Cornélio. Ele é o primeiro pagão que entrará na nova fé cristã. Diante dele apresenta-se são Pedro que está para batizar aquele soldado de bom coração e justo bem como a sua família. As palavras do apóstolo são simples e essenciais mas abrem um horizonte que hoje se alarga até nós, vindos de povos e nações diferentes: "Deus não faz acepção de pessoas, mas, em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável" (Atos 10, 34-35).

O olhar amoroso de Deus estende-se sobre todas as criaturas porque, como se lê no livro da Sabedoria, "Tu, Senhor, amas tudo quanto existe e não detestas nada do que fizeste ... Tu és indulgente com todos, porque todos são teus, ó Senhor, amante da vida!" (11,24.26). Então, na casa daquele centurião, numa cidade elegante e mundana, sopra o vento do Espírito Santo: de facto, "o Espírito desceu sobre todos os que estavam a ouvir a Palavra" (Atos 10,44). É o "Pentecostes dos pagãos" que abate "o muro de separação que os dividia" dos hebreus, como acontecia no templo de Jerusalém e como recordava o apóstolo Paulo escrevendo aos cristãos de Éfeso (2,14). Com Cristo, portanto, "não há mais Grego ou Judeu, circunciso ou incircunciso, bárbaro ou cita, escravo ou livre, o que há é Cristo, que é tudo e está em todos" (Co/. 4,11).
A nossa viagem conduz-nos, agora, à segunda cidade: talvez seja mesmo a esplêndida Éfeso onde Paulo tinha vivido momentos árduos da sua missão apostólica. A voz que agora ressoa é a de um outro apóstolo, João, no fragmento da sua admirável Primeira Carta proposto pela liturgia deste domingo pascal. Em Efeso e nas outras fascinantes cidades, que constelavam a costa mediterrânica da atual Turquia, tinha feito resplandecer o verdadeiro rosto de Deus naquela inesquecível definição que acabou de ser proclamada: " Deus é ágape, amor".

É um amor que irradia penetrando também nos caminhos obscuros da história, no subsolo do mal e do vicio, no espaço do desespero e do ódio. É um amor que se manifestou em Cristo, o Filho, que atravessou aquele mundo tenebroso de morte " para que tivéssemos a vida por meio dele", como diz são João. E porque Deus é amor, também nós "amemo-nos uns aos outros", superando distâncias e diversidades, como faremos daqui a pouco quando nos saudarmos no abraço da paz. Como ele, entremos no horizonte gélido e sombrio do sofrimento dos nossos irmãos e das nossas irmãs, para aí acender a luz e o calor do amor que conforta e salva.

E eis-nos chegados à última etapa, à cidade santa, Jerusalém. Subamos ao "andar superior" de uma casa, entremos numa "grande sala, preparada, já pronta" (Marcos 14,15). Estamos no Cenáculo. E a última noite da vida terrena de Jesus. Ele está a falar longamente com os discípulos durante a sua última ceia, a primeira da eucaristia. Também nos seus lábios ressoa repetidamente a palavra "amor" que nos acompanhou já em Cesareia e em Éfeso, mas agora brilha de uma forma total e absoluta.

Deixemo-la ecoar no nosso coração, enquanto somos envolvidos no silêncio desta noite. Connosco a escutar estas palavras está Maria, a estrela que preanuncia a aurora depois das horas noturnas do mal, do medo e da dor. Como recordava Lúcia nas suas Memórias, a Senhora de Fátima "difunde luz mais clara e intensa do que um copo de cristal, pleno de água cristalina, através dos raios do sol mais ardente". É ela que nos convida a acender a pequena vela do amor, em vez de pararmos a maldizer a noite do mal e do ódio que invade o mundo. Jesus fala-nos agora e repete: "Como o Pai me amou, também eu vos amei. Permanecei no meu amor... é este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos... O que vos mando é que vos ameis uns aos outros" (João 15, 9. 12-12.17).

- D. Gianfranco Ravasi
Presidente do Conselho Pontifício da Cultura

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...