domingo, 1 de abril de 2012

Façamos algo novo: o Domingo de Ramos do ponto de vista dos gays cristãos

Imagem daqui

Mensagem da Rev. Nancy Wilson, moderadora da FUICM - Fraternidade Universal das Igrejas da Comunidade Metropolitana,* para este Domingo de Ramos.

Estamos começando a Semana Santa, e nossa leitura de hoje é a da “Entrada Triunfal” de Jesus e seus discípulos em Jerusalém.

É uma história de altos e baixos, literalmente. Subindo e descendo a colina que leva a Jerusalém, por uma estradinha estreita e íngreme, cheia de curvas, idas e vindas, reviravoltas e ironia. Começa com mistério e intriga, e o que parecem ser mensagens misturadas. É uma marcha triunfal com matizes políticos, com Jesus sendo chamado de “rei”, mas um rei em uma montaria humilde. Há alegria entre os discípulos e o povo, enquanto Jesus chora por Jerusalém.

“Encontrareis um jumentinho amarrado, que ninguém ainda montou...” Para mim, isso significa que Jesus está fazendo uma coisa inédita. Embora esteja entrando em Jerusalém sob a aclamação da multidão, como profeta, “rei”, líder espiritual, o que ele está fazendo é inédito. Jesus compreende seu propósito de estar reconciliando a humanidade com Deus; abrindo-se e à sua vida ao incrível propósito divino da redenção; em sua solidariedade com os marginalizados, os pobres, todos aqueles que foram excluídos pela religião e pelos líderes religiosos, ele é o que vem das margens para colocar-se no centro das atenções nesta hora. Ele vem para convidar a todos nós para nos reorientarmos ao redor dos valores de Deus e de suas verdadeiras preocupações. Ele nos convida a deixar as margens e reclamar nosso lugar!

Somos convidados a tomar uma estrada nova, nunca antes trilhada por ninguém. Aqui, neste nosso mundo de hoje, em nosso século, há a necessidade de pessoas que digam sim a uma nova maneira de viver, de encarnar a justiça, a esperança, o amor e a graça de Deus. Pessoas dispostas a ser uma nova face da cristandade, de Jesus, a quem a igreja com tanta frequência trai ou abandona. Para cada um de nós chegam momentos de decisão, em que somos chamados a montar naquele jumentinho que ninguém montou antes. Como um movimento profético de Deus, somos chamados a encarar nossas próprias Jerusaléns, aquelas de cada um de nós.

O jumentinho é também um símbolo de humildade. A verdadeira mudança não vem da violência, nem do poder irrestrito, mas de baixo, de dentro, do amor altruísta. É isso que somos chamados a oferecer aos nossos irmãos e irmãs, e ao mundo.

“O Senhor precisa dele...” Adoro essa parte da história, em que Jesus diz aos discípulos para irem buscar seu jumentinho, pegá-lo e, se alguém perguntar, responder apenas “O Senhor precisa dele”. É um elemento de intriga na trama – Jesus tem apoio, recursos, assistentes que os discípulos desconhecem! Sempre quis saber quando ele arrumava tempo para fazer esses preparativos... Como ele conseguia estabelecer as relações que possibilitam essas operações? Ou será que a ideia é introduzir um elemento divino, sobrenatural? Jesus depende sempre da “bondade de estranhos” (serão estranhos mesmo?), daqueles que nunca chegaremos a saber quem são, dos que o seguem mesmo à distância.

E minha experiência [junto aos gays cristãos] é que há mesmo aliados, amigos, mesmo anônimos, por toda parte, ávidos por ofertar o que têm para a obra do Senhor!

É interessante que o apelo e impacto de Jesus sejam exercidos não só sobre os discípulos, ou sobre aqueles que o seguem abertamente – mas há muitos nas sombras, alguns nos armários, e que o procuram “à noite”, como Nicodemos; ou os que atuam nos bastidores, que preparam a Passagem, que levam potes d’água nas cabeças e dão-lhe de beber ao longo do caminho.

Deus tem recursos, amigos, aliados nas obras do amor e da justiça, e jamais saberemos. E, se somos os amigos de Deus, envolvidos à obra de Deus neste mundo, esses recursos e aliados, essa ajuda, estarão disponíveis também para nós.

Precisamos acreditar que Deus precisa de nós, e que ele nos proverá com todo o necessário para cumprirmos nossa missão. Isso significa confiar em Deus, no momento, preparar-nos para tudo aquilo para o que, sozinhos, não temos como nos preparar... Pois Jesus é fiel, e o Espírito Santo é criativo em sua providência. E os donos do jumentinho, fica implícito, estão a serviço dos objetivos de Deus, e de boa vontade oferecem o que possuem. (...)

“Ele, porém, respondeu: ‘Eu vos digo, se eles se calarem, as pedras gritarão’.” Este é Jesus, o profeta, o revolucionário, que compreende o arco moral da justiça, que sabe que o clamor por mudança, por esperança, por justiça, não pode ser impedido, não pode ser calado nem excluído. Não há como silenciá-lo. No auge dos piores tempos da mortandade por HIV/AIDS nos EUA, havia um grupo chamado “Act Up”, muito atento para tirar a questão da AIDS de dentro do armário; insistiam em chamar a atenção pública para a promoção de tratamentos e pesquisa e a atenção política para a epidemia, e agiam com o slogan “Silêncio = Morte”.

(...) Jesus sabia naquele dia, diante de Jerusalém, que a única maneira de acontecer a verdadeira mudança era que as pessoas ousassem falar! E, se não tivermos a coragem de sair dos armários e falar, mais alguém ou algo o fará! Jesus evoca a inexorabilidade da mensagem de libertação e amor. A verdade aparecerá! O amor aparecerá! A paz irromperá! A justiça se manifestará! A confiança na proclamação dessa realidade por Jesus é o que nos sustenta, [gays cristãos], em nosso movimento de deixarmos as margens, e na iminência da libertação do nosso povo.

“E, como estivesse perto, viu a cidade e chorou sobre ela...” Essa é uma das poucas vezes em que vemos Jesus chorar – a outra foi ao tomar conhecimento da morte de Lázaro e, talvez, dependendo da nossa interpretação, no Jardim do Getsêmani.

Aqui, Jesus derrama lágrimas sacramentais do coração de Deus. É um choro cósmico. Por que ele chora? Por um lado, chora pelo desastre iminente que está prestes a abater-se sobre Jerusalém. Por outro lado, chora pela cidade que ele amava, que servirá de cenário para sua última pregação, seus derradeiros ensinamentos, seu confronto final com as autoridades políticas e religiosas, sua morte e ressurreição. Só essa semana dramática por vir já basta para provocar lágrimas!

Mas acho que Jesus chora também por um mundo exausto, hoje com 2 mil anos a mais de desgaste acumulado – tanta violência, conflitos religiosos, ódio, fome, sofrimento. Jerusalém, hoje, é uma cidade armada, presa de um conflito insolúvel. Jerusalém é também todas as cidades. É o Rio de Janeiro, é São Paulo, é Washington, é a Cidade do México... Jesus chora hoje pela homofobia e pela transfobia, nas igrejas, nas cidades, nos países. Por todo sofrimento causado pela injustiça. Pelas mulheres que são cidadãs de segunda classe na maior parte do mundo. Pelos que convivem com o HIV/AIDS e não têm acesso a tratamento.

Essa história de uma humilde, alegre e dolorosa marcha Jerusalém adentro é a nossa história hoje. Para [os gays cristãos] de todo o mundo, e no Brasil.

Estamos fazendo algo novo! E estamos fazendo com os recursos e aliados de Deus! Estamos rompendo o silêncio, erguendo nossas vozes e falando da maravilhosa graça e amor de Deus por todas as pessoas, por todos os povos, inclusive o povo LGBT, nossas famílias e amigos. Com nossos atos e nossa paixão, estamos respondendo ao coração de Deus que ainda chora por Jerusalém hoje, por toda Jerusalém que clama por justiça, por paz e esperança! Deus nos abençoe hoje, e a todos [os gays] de todo o mundo que clamam por libertação.

Amém!


*A Igreja da Comunidade Metropolitana é uma igreja cristã que foi fundada em 1968, nos EUA, pelo Reverendo Troy Perry, visando a uma integração saudável da sexualidade e da espiritualidade para que gays, lésbicas, bissexuais, transsexuais, heterossexuais e questionadores possam viver com integridade como pessoas de fé. Hoje, está em mais de 30 países do mundo, inclusive no Brasil, com igrejas e missões em várias cidades. Aqui no Rio de Janeiro, é representada pelos nossos amigos da Comunidade Betel, com quem temos uma feliz e prolífica parceria.

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