segunda-feira, 19 de março de 2012

Viver todos os dias a fragilidade, a tentação, a confiança

Foto: Kurt Moses

Somos chamados a viver o dom de Deus, até ao fim, na fragilidade, na fraqueza, na confiança e na tentação. Podem variar de género os problemas que vivemos, ou de frequência, ou de intensidade, mas acompanhar-nos-ão sempre. As tentações vão existir sempre. O que muda, num processo de maturação humana e espiritual, é a nossa maneira de acolhê-las. É pelo discernimento da natureza das tentações que nos assaltam que compreendemos, muitas vezes, a nossa singularidade e diversidade, o real impacto da vida em nós, a nossa realidade submersa e os seus ilegíveis vestígios. A tentação humaniza-nos. É uma via. São Paulo bem rezou três vezes ao Senhor para que afastasse o espinho da sua carne (2 Coríntios 12,8). Mas em vão. A resposta foi: «basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza.» (2 Coríntios 12,9).

Mestre Eckhart explica o «grande proveito e utilidade» das tentações: fazendo-nos travar um interminável combate, fazendo-nos passar à resistência vigilante elas, mesmo se nos humilham, mantêm-nos centrados em Deus.

É isso mesmo: o sonho da perfeição pode ainda ser um caminho que trilhamos pela superfície ou constituir uma ilusão que nos impede de aceder ao verdadeiro e paradoxal estado da vida. Levamos tanto tempo até perder a mania das coisas perfeitas, isentas da trepidação do real, e nos curarmos deste impulso que nos exila no conforto das idealizações, ou vencermos o vício de sobrepor à realidade um cortejo de falsas imagens!

Thomas Merton escreve, de forma emocionada, alguma coisa que nos devia fazer parar: «O Cristo que nós descobrimos realmente em nós mesmos distingue-se daquele que nos esforçamos, em vão, por admirar e idolatrar em nós. Bem pelo contrário: Ele quis identificar-se com aquilo que nós não amamos em nós próprios, porque Ele tomou sobre si a nossa miséria e o nosso sofrimento, a nossa pobreza e os nossos pecados… Jamais encontraremos paz se dermos ouvidos à cegueira que nos diz que o conflito está superado. Só teremos paz se formos capazes de escutar e abraçar a dança contraditória que agita o nosso sangue…É aí que se escutam melhor os ecos da vitória do Ressuscitado».

São Paulo compreendeu-o, porque responde: «De bom grado, portanto, prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo. Por isso me comprazo nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias, por Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte.» (2 Coríntios 12,9-10). Paulo testemunha a Fé como uma hipótese paradoxal: quando sou fraco, então é que sou forte. A Fé resiste e matura nas necessidades, nas angústias, nas afrontas, nos sofrimentos, isto é, no interior de uma existência assaltada pela tentação. Não se trata de escamotear ou de superar essa experiência: é no interior dessa experiência, que eu sou forte. É um paradoxo, claro. Mas é aí que a própria experiência espiritual se realiza.

O grande obstáculo a uma vida de Deus não é a fragilidade e a fraqueza, mas a dureza e a rigidez. Não é a vulnerabilidade e a humilhação, mas o seu contrário: o orgulho, a autossuficiência, a autojustificação, o isolamento, a violência, o delírio de poder. Dizum poema de Lao Tsé: «Os homens quando nascem são tenros e frágeis. A morte torna-os duros e rijos. As ervas e as árvores quando nascem são tenras e frágeis. A morte torna-as esquálidas e ressequidas. O duro e o rígido conduzem à morte. O fraco e o flexível conduzem à vida».A força de que verdadeiramente precisamos, a graça de que necessitamos, não é nossa, mas de Cristo E Ele dá-nos o exemplo do que é abraçar inteiramente a humanidade no seu dramatismo, já que foi «nas suas feridas que encontramos a cura» (Isaías 53,5).

- P. José Tolentino Mendonça
In Pai-nosso que estais na terra, ed. Paulinas
Reproduzido via Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (Portugal)

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