sexta-feira, 16 de março de 2012

E quem é a mulher?

Foto daqui

Em um dos últimos posts [aqui], explicávamos porque não existe a escolha ou a “opção” sexual. Trata-se de um, entre tantos, mitos sobre a sexualidade dos quais nos ocuparemos de vez em quando neste blog.

Hoje queremos falar de outros que tem a ver com uma mesma confusão: algumas pessoas não entendem que nós, gays, gostamos de homens e que as lésbicas gostam de mulheres.

Parece óbvio. Apesar disso, já escutei muitas vezes esta pergunta, dirigida a um casal gay: “Quem é o homem e quem é a mulher?”. Eu, às vezes, respondo da maneira mais séria que possa: “E com você e a sua namorada, como funciona? Ela se finge de homem ou você de mulher?”.

É que, pensando com a mesma lógica, eu deveria supor – já que eu gosto de homens – que a única explicação para que outro homem forme um casal com uma mulher é que ela se finja de homem.

Se não, como é possível?

Mas não é assim, porque existem homens que gostam de mulheres.

Sim, ainda que você não acredite.

E se fingindo de mulheres, seja lá o que isso signifique para cada um.

Perguntar sobre quem é a mulher em um casal gay é querer interpretá-lo partindo da impossibilidade do desejo homoerótico, como se, parar que um homem goste de outro homem, um dos dois deva ser, de algum modo, feminino. O mesmo vale para quem pensa que, em um casal de lésbicas, uma das duas “seja o homem”.

Tem mais: uma olhada rápida por páginas de paquera gay surpreenderia a mais de um: estão repletas de avisos que põem o destaque, às vezes bastante estereotipado e machista, na masculinidade. “Macho busca Macho”.

Em um casal gay, os dois “são os homens”, seja lá o que isso signifique para cada um. “Masculino” e “feminino” são duas categorias da linguagem, como “hétero”, “homo” e “bi”, com as quais tratamos de aprisionar um universo muito mais complexo, cheio de tons de cinza e, sobretudo, de cores. Mas deixemos essa parte da história para outro dia. O que queremos deixar claro hoje é que, em uma relação entre dois homens, não existe um que “é a mulher”, a não ser que se trate de um jogo ou fantasia sexual, o que também pode ocorrer em uma cama hétero.

É claro.

E já que falamos da cama, esclarecemos que tudo o que foi dito anteriormente não tem nada a ver com ser “ativo” ou “passivo”. Acreditar que o que penetra é mais homem que o que é penetrado é, novamente, querer entender uma relação homossexual como se fosse heterossexual, ou seja, com só um pênis – e sem imaginação. Os papéis na cama no têm nada a ver com a identidade de gênero nem fazem com que ninguém ganhe ou perca masculinidade.

Um amigo meu diz, às vezes, “Eu não sou bicha. Eu como as bichas”. Mas diz isso de brincadeira, claro.

Além do mais, quem disse que os papéis na cama devem ser fixos, estáveis e excludentes? Outra vez, algo básico e simples: quando dois homens vão para a cama, existem dois pênis. E os dois podem ser usados, de diferentes maneiras. Supor que um dos homens deve anular automaticamente o seu pênis para ir para a cama outro é querer, outra vez, heterossexualizar uma relação que não é heterossexual.

E, convenhamos, que entre um homem e uma mulher também podem acontecer muitas outras coisas. Para isso inventaram os brinquedos que se vendem nas sex shops e a natureza, sábia, nos colocou cinco dedos em cada mão. Isso sem levar em conta as travestis, que tem um pênis e identidade de gênero feminina.

O mundo da sexualidade é mais complexo que nossos dicionários.

Por último, a versão mais radical da confusão que queremos tratar com este post é a de quem acredita que os gays, no fundo, querem ser mulheres. Outra vez: não podem deixar de nos ver com lentes heterossexuais. Como se a única explicação para que nós gostemos de homens fosse que, em algum lugar do nosso ser, nos imaginamos no sexo oposto.

Sempre tratando de reconstruir, de uma ou outra forma, o modelo menino + menina.

Lamento decepcioná-los. Eu gosto de homens e gosto de ser homem. Nem sequer posso me imaginar como mulher. E o que me atrai em outros homens é a sua masculinidade, ainda que, claro, isso é uma questão de gosto.

Já foram ao cinema ver A pele que habito, última joia do mestre Pedro Almodóvar?

Os homens que a tenham visto vão me entender. Quando Antonio Banderas disse “vaginoplastia”, tive a mesma impressão que vocês. Quase lhes diria que me doeu.

E entre Vera e Vicente, escolho Vicente, que, por que não dizer, está incrível.

- Bruno Bimbi
Traduzido do blog Tod@s pelo amigo Fernando Palhano, com grifos do autor.

Um comentário:

Daniel disse...

Obrigado pelo artigo. Apazigua o meu conflito e esclarece o óbvio.

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