domingo, 19 de fevereiro de 2012

Ressuscitar contra tudo e contra todos

Imagem daqui

Se Cristo está vivo e se ele atua ainda hoje no nosso mundo e na nossa Igreja, ele deve necessariamente ter uma linguagem nova e realizar novas ações, através de seus discípulos atuais, para que nós possamos dizer também: Nunca vimos nada semelhante! A Ressurreição se realiza contra tudo e contra todos!

A reflexão é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 7º Domingo do Tempo Comum (19 de fevereiro de 2012). A tradução é de Susana Rocca, aqui reproduzida via IHU.

Eis o texto.


Referências Bíblicas:
1ª leitura: Is 43,18-19.21-22.24-25
2ª leitura: 2 Co 1,18-22
Evangelho: Mc 2,1-12

Lendo os textos bíblicos de hoje podemos nos fazer a seguinte pergunta: Quem é, então, o nosso Deus? Deus é criador e mesmo recriador; “Vejam que estou fazendo uma coisa nova: ela está brotando agora, e vocês não percebem?” (Is 43,19). Deus também é perdão: “Era eu mesmo, por minha conta, quem acabava limpando suas transgressões e não me lembrava mais de seus pecados” (Is 43,25). Deus se realiza através de seu Filho que foi sempre um sim: “De fato Jesus Cristo, o Filho de Deus, que eu, Silvano e Timóteo anunciamos a vocês, não foi ‘sim e não’, mas unicamente ‘sim’. Todas as promessas de Deus encontraram nele o seu sim” (2 Co 1,19-20). Finalmente, Deus se mostra através de Cristo como aquele que perdoa, que cura, que levanta e que ressuscita: “Pois bem, para que vocês saibam que o Filho do Homem tem poder na terra para perdoar pecados – disse Jesus ao paralítico –, eu ordeno a você: Levante-se, pegue a sua cama e vá para casa” (Mc 2,10-11).

Mas esse trecho de Marcos, bastante inusitado, particular, quanto à atuação do próprio evangelista, mostra que Jesus está em casa, na casa de Pedro, isto é, a Igreja, para ensinar e anunciar a Palavra, a Boa Notícia. Está cheio de obstáculos que impede o paralítico de se aproximar de Jesus, de maneira que os quatros homens que o levam ficam obrigados a subir ao telhado, de fazer um buraco no teto, para poder descer o paralítico até Jesus, que está no interior da casa. O que significa isso? Quem são esses homens? Quem é o paralítico? Que mensagens podemos tirar desse evangelho, hoje?

1. Os quatro homens: No primeiro capítulo do evangelho de Marcos (Mc 1,16-20), vemos Jesus que chama Simão, seu irmão André, Tiago e seu irmão João, que deixam as suas ocupações para seguir a Cristo. Eles se tornam discípulos. Eles são quatro. Como discípulos eles têm a missão de levar Cristo aos feridos da vida, aos coxos, aos paralíticos, aos excluídos, aos marginalizados. Sem dúvida, eles são os que conduzem o paralítico do evangelho de Marcos até Cristo. O que lhes anima é a sua grande fé. Nenhum obstáculo consegue detê-los: nem a multidão que invade a casa, a Igreja, e que impede o acesso ao paralítico, ao ferido, excluído pela comunidade.

Esses quatro homens são discípulos, cristãos engajados, que realizam a missão cristã. É na fé deles, e não na fé do paralítico (Marcos não diz nada em relação a isso), que pode-se operar a cura: “Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse ao paralítico...” (Mc 2,5). E para mostrar claramente que se trata de uma cura do coração, de uma inclusão e de uma integração na comunidade: “Jesus disse ao paralítico: ‘Filho, os seus pecados estão perdoados” (Mc 2,5). Aqui Jesus age como um profeta. Ele fala em nome de Deus. Ele não diz: eu te perdoo os pecados, mas: Teus pecados são perdoados... por Deus. Então, a fé de um discípulo, de um cristão, pode liberar mais alguém, integrá-lo, tirá-lo da paralisia.

2. O paralítico: Ele não tem nome; ele não fala e o evangelista não diz nada sobre ele, somente que ele é paralítico, incapaz de se mexer, de avançar, de se manter de pé. Esse paralítico representa todas aquelas pessoas que precisam de cura, de perdão, de amor e de esperança. Esse paralítico é cada um e cada uma de nós, em determinados momentos da nossa vida. Como nós não estamos sós no planeta, e que a fé cristã não é individual, o evangelista nos lembra que nós temos necessidade dos outros para ficar curados. Precisamos ser levados pela fé dos outros, dos quatro homens, dos discípulos de Cristo, da Igreja, para poder nos aproximar de Jesus Ressuscitado, para poder reencontrá-lo e que ele nos coloque de pé, nos ressuscite.

3. O perdão e a ressurreição: A cura pelo perdão e a ressurreição vão juntas. Jesus diz: “O que é mais fácil dizer ao paralítico: ‘Os seus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘Levante-se, pegue a sua cama e ande’?” (Mc 2,9). O perdão nos libera, nos desvincula do que nos encadeia, nos paralisa; ele nos ressuscita, e uma vez ressuscitados, ficamos em pé, caminhamos, avançamos, voltamos para casa. Não ficamos no lar, na igreja, contemplando: saímos em missão: “O homem (não é mais um paralítico) então se levantou e, carregando a sua cama, saiu diante de todos” (Mc 2,12). Por sua vez, esse homem se torna discípulo, disposto a proclamar a Boa Nova, o Evangelho.

4. Os obstáculos: Fica evidente que acolher o outro, o estrangeiro, o ferido da vida, o paralítico, incomoda os intelectuais, a instituição e seus dirigentes. São Marcos nos diz que há escribas na assistência, que recusam essa novidade do Cristo da Páscoa: “Por que este homem fala assim? Ele está blasfemando! Ninguém pode perdoar pecados, porque só Deus tem poder para isso!” (Mc 2,7). Mesmo hoje, são muitos os escribas que se recusam e que querem impedir a novidade do evangelho: uma mulher que faz um aborto deve ser excomungada! Não dá para acolher na mesa eucarística um divorciado, casado novamente, ou alguém que se diz favorável ao casamento gay! Esses são comentários que, infelizmente, ainda hoje ouvimos dentro da nossa Igreja. Se eu leio bem o evangelho e os outros textos de Paulo, de hoje, parece que tudo é possível. Na fé dos discípulos Cristo pode curar, perdoar, levantar, ressuscitar todos os paralíticos da terra, e isso sem a autorização dos escribas e dos dirigentes do momento. Cristo realiza plenamente essa profecia de Isaias que temos na primeira leitura de hoje: “Vejam que estou fazendo uma coisa nova: ela está brotando agora, e vocês não percebem? Abrirei um caminho no deserto, rios em lugar seco” (Is 43,19). E este mundo novo começa na Páscoa, renova-se constantemente, cada vez que um paralítico é levado pelos crentes, pelos discípulos, e levado até Cristo para que seja liberado, ressuscitado.

A última frase do evangelho de Marcos deveria considerada: “E todos ficaram muito admirados e louvaram a Deus dizendo: ‘Nunca vimos uma coisa assim!’” (Mc 2,12). Se Cristo está vivo e que ele atua ainda hoje no nosso mundo e na nossa Igreja, ele deve necessariamente ter um linguagem nova e realizar novas ações, através de seus discípulos atuais, para que nós possamos dizer também: Nunca vimos nada semelhante! A Ressurreição se realiza contra tudo e contra todos!

Para concluir, o perdão não nos faz somente ficar curados e ressuscitados; ele nos faz ver também a importância e a utilidade do pecado. O teólogo belga Jean Vernette escreve: “Um velho rabino contava: Cada um de nós está unido a Deus por um fio. E quando cometemos uma falta, o fio se quebra. Mas quando nos arrependemos da nossa falta, Deus faz um nó no fio. De repente, o fio fica mais curto que antes. E o pecador fica um pouco mais perto de Deus. Assim, entre falta e arrependimento, entre nó e nó, nós nos aproximamos de Deus. Finalmente, cada um dos nossos pecados é uma ocasião de encurtar a corda de nós, e de chegar mais rapidamente perto do coração de Deus”. Sem dúvida que não é por nada que São Paulo dizia que tudo é graça, mesmo o pecado.

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