quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

"O amor é a maior força que existe, capaz de vencer qualquer dificuldade, mesmo quando a maior delas é seu próprio medo"

Foto: i can read

Percebemos que a ideia de conciliar nossas identidades de gays e católicos muitas vezes causa um certo estranhamento ou mesmo desconforto em algumas pessoas - e, nesse caso, não só os "fundamentalistas", mas também em muitos gays não-religiosos. Em vista disso, iniciamos há algumas semanas uma série de depoimentos aqui no blog, que serão publicados sempre às quintas-feiras, às 15h, de algumas das pessoas que frequentam as reuniões e atividades do Diversidade Católica e que se dispuseram a compartilhar, com os leitores do blog, um pouco de suas histórias e suas vivências como gays e católicos que são.

A série pode ser acessada através da tag "gay e cristão".

A cada um deles, sempre, nosso muito obrigado. :-)


Sempre acreditei na força dos testemunhos. Era a atividade que mais me comovia nos retiros que eu participava, fossem os retumbantes encontros de jovens, com suas músicas de louvores e exagerada disponibilidade, fossem os introspectos retiros de preparação para a crisma (desses últimos, aliás, eu fui socio contribuinte, não perdia um). Eram esses os momentos nos quais eu mais refletia sobre o meu pecado #1: o de gostar de coisas impuras.

Quem já foi numa igreja barroca sabe que normalmente o altar é escalonado e cada andar tem a imagem de um santo (que normalmente usa uma peruca com cabelo humano – isto é bizarro!). É como uma classificação bem dividida que começa por nós, fiéis, no chão. Depois o padre, no presbitério. Daí vem um anjo, um santo, uma Maria, Jesus e Deus. Isso tem um quê de hierarquia, uma distribuição de poderes bem denifida, assim como no "estava a velha em seu lugar", só que com personagens religiosas. Para mim a Igreja sempre foi exatamente assim: um grande coro de hierarquias encabeçado pelo Papa João de Deus, tão amado pela minha família, cujo retrato afetuoso encimava nossa mesa de jantar. Aliás, acima do papa estava Jesus, não andando ou vestindo suas roupas de época, mas pregado na cruz e olhando de ladinho aqui pra baixo, como quem quisesse dizer alguma coisa. E na minha cabeça, nessa escada estavam presentes também o meu anjo da guarda – o zeloso guardador – e meus antepassados que foram grandes personalidades lá na roça, onde se confiava em Deus e nada mais.

Eu não queria usar uma expressão chavão, pois gosto de ser exclusivo. Mas nada que eu invente daria conta de explicar melhor o fato de que "eu sempre soube". É uma m&%#@, mas é a verdade. As travas da Lapa sempre souberam, mas e daí?, são pecadores! Eu não... não sou igual a eles, devo rezar por eles e pedir forças a Deus para que consiga me livrar deste mal. Nunca acreditei em um inferno quente e péssimo, mas como ninguém prova nada, fica o dito pelo não dito e toda semana eu ia me confessar.

"Meu filho, Deus te ama. Peça forças a ele porque você é um jovem muito bom e vai conseguir se livrar disto."

"De novo né? Quer o que com isso? Hein? Vai conseguir ser pai de família assim?"

"Meu filho, não precisa vir aqui para confessar isso, eu já te falei."

"Ué, fazer o que, né, pecado mortal. Reza para Nossa Senhora te livrar do pecado".

É, nenhum dos mil padres com quem eu me confessava toda semana sabia de fato o que me dizer. Nenhum deles me convencia; aliás, essa enorme variedade de opiniões me deixava mais perdido. Mas Jesus de ladinho era quem mais me amedrontava, não pela relação de temor que eu tentava nutrir, a despeito da minha forte crença de que Deus me amava, mas porque eu nunca estive realmente a sós com ele. Jesus nunca veio falar sozinho comigo, sempre trouxe toda a galera da hierarquia, o papa, os padres e seu pessoal. E sempre quando eu tentava falar com ele, tinha que passar por esses interlocutores bizarros.

A minha vantagem era que eu nunca tinha me apaixonado por um menino. Toda a relação que eu tinha com homens era apenas sexual e isso me fazia acreditar que eu não era gay, mas apenas um cara que sentia tesão por outros caras. E até mesmo esses questionamentos acerca da relação entre a religião e minha sexualidade só aconteciam quando eu tinha alguma experiência sexual homoerótica; no meu dia-a-dia, eu me julgava super hétero e condenava abertamente o "homossexualismo". Dei inúmeras palestras nos grupos de jovens e nas aulas de crisma sobre esse assunto e não tinha medo de me posicionar contra. Não posso dizer que eu era hipócrita, pois no fundo eu realmente acreditava na opinião oficial da Santa Mãe Igreja – e, mesmo que eu sentisse o contrário, o errado era o meu sentir. Eu realmente sofria muito.

Tudo começou a mudar quando Jesus de ladinho saiu da sua cruz. Se desprendeu do madeiro no meu terceiro dia e veio falar pessoalmente comigo. Achei isso formidável, mas eu demorei muito a acreditar que era ele mesmo ali falando comigo, sem as opiniões dos mil padres, sem os antepassados, sem o João de Deus. Eu tinha me acostumado a só ouvir a voz de Jesus através dos outros e era como se ele tentasse falar comigo e imediatamente fosse cortado pelas vozes daquele séquito. Era muito difícil ouvir Jesus falar!

Conheci um menino, diferente de todos os outros, e por ele me apaixonei. Nossa relação durou cinco anos, e com ele aprendi que o amor é a maior força que existe e é capaz de vencer qualquer barreira, mesmo quando o maior obstáculo é você mesmo. O nosso amor venceu meu próprio preconceito, venceu minha própria opinião, me venceu.

Eu conheci um grupo de pessoas, diferente de todos os outros, e por ele me apaixonei. Hoje posso testemunhar porque vi com meus próprios olhos, senti com meu próprio coração, chorei minhas próprias lágrimas. Com esse grupo, que se chama Diversidade Católica, eu aprendi que o amor é a maior força que existe e é capaz de vencer qualquer dificuldade, mesmo quando a maior delas é seu próprio medo. O amor venceu meu rancor, venceu minha dúvida, venceu minha ideia de que encontrar Jesus é subir as escadinhas de um altar barroco.

Hoje eu não vou mais nos retiros de crisma, porque talvez eles tenham medo das pessoas serem o que realmente são. Descobri que os sentimentos não são impuros, nós aqui fora é que os tornamos assim. Ainda gosto de igrejas barrocas, mas as observo como uma marca histórica de um tempo em que se acreditava que Jesus precisava ser protegido do ser humano cruel e sujo e por isso foi elevado e cercado de um monte de santos, anjos e afins. Notícia: foi ele mesmo que escolheu ser um de nós, foi para isso que ele veio ao mundo! Não faz sentido apartá-lo da nossa realidade, deixem ele aqui no chão com a gente, é isso mesmo que ele quer!

(Se você não tem senso de humor, pule o próximo parágrafo e vá direto para "E eu conheci")

Em outras palavras, Jesus chegou para acabar com "estava a velha em seu lugar"! As travas da Lapa e os padres que me confessavam vão se encotrar no céu, juntamente com os santos barrocos que vão tirar suas perucas humanas e descobrir que podem ser felizes com seus próprios cabelos! O João de Deus – que já até morreu, tadinho – vai sair da mesa de jantar da minha família e desmontar aquele sorriso que já dura uns vinte anos, e Jesus de ladinho, ah! Esse sim, vai desentortar seu pescocinho, colocar suas roupitchas de época e virá abraçando todo mundo!

E eu conheci o Jesus, que hoje não fica mais de ladinho, e que é muito diferente da imagem que fazem dele por aí. Eu tenho absoluta certeza de que posso me afirmar filho de Deus pelo amor que ele tem por mim hoje, como eu sou. Foi o amor dele por mim que me deu forças para eu me amar e me aceitar como eu sou, pois se ele me ama como eu sou, eu não posso me amar de maneira diferente. Sim, eu sou gay e me amo como sou, pois Deus me ama como sou!

Beijos,

Pedro!

Um comentário:

Pedro disse...

Huahuahuahuahua! Que divertido me ler! Mais divertido que me ver falando num video ou ouvir uma gravação.... ;)

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...