domingo, 27 de novembro de 2011

Perguntas frequentes: "Se a Igreja condena a homossexualidade, como é possível uma pessoa gay ser católica?"

Perguntas frequentes

Neste final de ano, todos os domingos à tarde publicaremos algumas perguntas da seção "Perguntas frequentes" do site do Diversidade Católica. Você pode acessar a série completa no próprio site do DC, ou na tag "perguntas frequentes". :-)

"Se a Igreja condena a homossexualidade, como é possível uma pessoa gay ser católica?"

Antes de responder esta complexa pergunta, é importante distinguir com clareza alguns termos.

Você sabe exatamente o que quer dizer a palavra Igreja? Quando se fala em Igreja não se pode pensar apenas no Papa, nos bispos e no clero.

Igreja é uma realidade múltipla, plural, que abarca desde a criança que acaba de receber o sacramento do batismo até Bento 16 ou o bispo de sua cidade. É todo o povo de Deus que acredita em Jesus, o Cristo, e procura viver de acordo com a vida dele.

Portanto, dizer que a Igreja não aceita as pessoas homossexuais é generalizar.

Essa afirmação costuma remeter à posição dos documentos oficiais que abordam a questão. Mas há outros posicionamentos possíveis. Veja o nosso grupo Diversidade Católica, por exemplo. Temos a imensa alegria de seguir Jesus Cristo e compreender que, por ser diversa, a Igreja acolhe as diferenças humanas.

Importante também você compreender o significado do termo Magistério quando usado no contexto eclesiástico, bem como algumas de suas atribuições.

Magistério da Igreja se refere à função e autoridade próprias da hierarquia (Papa e bispos).

O Magistério recebeu de Deus o carisma para interpretar a fé viva da Igreja. Em linguagem teológica, é o responsável por acolher todo dado de fé que surge a partir do encontro entre uma situação nova e a Revelação divina.

O Magistério deve acompanhar a imensa comunidade dos que crêem, guardando aquilo que é fundamental e não pode se perder nas contínuas mudanças que as sociedades enfrentam com o passar do tempo. Ou seja, o Magistério exerce o discernimento para manter a comunidade de fé no caminho reto de Cristo.

O povo de Deus é chamado a reconhecer o Magistério como autêntico intérprete da Tradição (1) e acolher com “religioso respeito” (Constituição Dogmática Lumen Gentium 25) e “assentimento de fé” (idem) o que é proposto.

Colocados estes dois importantes termos – Igreja e Magistério – voltemos à pergunta colocada.

A abordagem da homossexualidade nos documentos magisteriais parece indicar que uma pessoa gay só pode ser católica se optar por viver no celibato.

O estado de permanente comunhão com toda a Igreja faz com que o católico esteja sempre aberto a acolher os pronunciamentos oficiais.

Mas é preciso aqui lembrar que o próprio Magistério já nos ensinou que só há um caso em que a vinculação entre doutrina e acolhimento é total: o Dogma.

O Dogma, ou pronunciamento “ex Cátedra” (2) , é o grau máximo a que uma doutrina ou posição moral pode ser elevada, tornado-se definitiva na compreensão da Igreja.

A existência de um grau máximo e definitivo de adesão à doutrina indica que nem tudo tem a mesma obrigatoriedade e permanência.

Por exemplo, o caso da salvação. Já foi expresso como doutrina que os de fora da Igreja Católica não poderiam se salvar. Foi doutrina, mas não se mostrou definitiva. O Concílio Vaticano II (3) gerou documentos que abrem a perspectiva da salvação para os que crêem em Cristo, mas não na comunhão da Igreja católica; para os que crêem em Deus, mas não no Cristo; e até para os que não crêem em Deus, mas vivem de acordo com os valores retos da sua consciência.

Outro aspecto a considerar é o fato do Magistério da Igreja não ocupar posição absoluta.

O Vaticano II reconhece que cada ser humano deve antepor qualquer dever ou lei à sua própria consciência. “A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser”, diz o parágrafo 16 da Constituição Dogmática Gaudium et Spes , um documento deveras importante do Concílio – o próprio título “Constituição Dogmática” já mostra a importância do texto.

O documento citado indica que a mediação plena para a ação do homem é a sua consciência. Obedecer à consciência é o que se pode fazer de melhor para agradar a Deus.

É claro que uma consciência inadequadamente formada pode acolher qualquer conceito como verdade, seguindo apenas critérios de conveniência. A própria Gaudium et Spes nos adverte, ainda no parágrafo 16: “Não raro, porém acontece que a consciência erra, por ignorância invencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro tanto não se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem...”

Por isso a obrigação de todo católico e, de modo geral, de todo ser humano é buscar formação e desejar a verdade. Quando a pessoa procura confrontar-se sem medo com o que é dito e, mesmo assim, percebe que sua consciência indica um caminho distinto, ela “não deve ser forçada a agir contra a própria consciência” – aponta outro documento importante do Concilio Vaticano II, a Declaração Dignitatis Humanae.

É ainda preciso considerar que o Magistério realiza sua missão de discernimento da doutrina e dos costumes morais baseado nos diversos elementos que compõem a Igreja:

• a Tradição oral e escrita (Sagrada Escritura);
• as posições do Magistério e dos Doutores da Igreja (4) que compõem a tradição eclesial;
• o senso comum dos fiéis: a sensibilidade do povo de Deus para assuntos que digam respeito à fé, já que o Espírito Santo é derramado e age em toda a comunidade dos crentes.

Se o discernimento levado a sério gera , ainda que lentamente, uma maior abertura quanto à compreensão da situação e dos anseios das pessoas gays (não por malévola propaganda organizada, e sim como fruto do que as ciências humanas vêm afirmando sobre a condição homossexual), há de se esperar reflexos no Magistério.

Os documentos recentes podem trazer formulações que julgamos não traduzir adequadamente a maneira como as pessoas gays compreendem o seu amor. Mas, considerando o conjunto de pronunciamentos oficiais que abordam a questão, é possível perceber pequenos avanços – ainda que prejudicados com o uso de expressões negativas muito fortes. O site Diversidade Católica reúne alguns textos importantes.

1. Tradição - Aquilo que é transmitido. É a memória que enriquece a experiência. Na Igreja, a Tradição é o legado das primeiras gerações cristãs. Ela constitui a Igreja na sua doutrina, vida e culto, estando intimamente ligada à Sagrada Escritura. Através da Tradição, a Igreja transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que crê.


2. ex Cátedra - "Da cadeira". É um ensinamento do papa de caráter extraordinário que define elementos essenciais da fé da Igreja. Tais ensinamentos correspondem a conteúdos da Revelação Divina e são irrevogáveis.


3. Concílio Vaticano II - Reunião de bispos católicos de todo o mundo ocorrida nos anos 1962 a 1965. Este Concílio foi um grande marco na renovação da Igreja no sentido de atualização e de diálogo com o mundo contemporâneo.


4. Doutores da Igreja - Conjunto de autores de grande repercussão na vida da Igreja, que se tornaram referências fundamentais. Entre eles está Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, Santa Catarina de Sena e Santa Teresa de Ávila.

7 comentários:

Anônimo disse...

É engraçado ver esse povo criticando ou falando contra... mas só sendo gay e amando a Igreja de Jesus Cristo, para entender. Eu não sou malígno ou do diabo pq sou gay, eu amo Jesus, eu amo minha Igreja, e sei que um dia ela vai reconhecer nossa condição. Um dia, a mesma Igreja proibiu negros de participarem das celebrações, e hoje em dia, todos somos contra o racismo.
Um dia, todos tb serão contra a Homofobia, pois a Igreja assim determinará, já que Jesus nunca excluiu ninguém, e ELE sim, eu sei que me ama e me aceita!

Equipe Diversidade Católica disse...

Querido amigo Anônimo,

Obrigado por seu comentário e seu testemunho. Compartilhamos de sua certeza: também nós nos sentimos amados e benquistos por Cristo e pelo Pai exatamente como somos. Como você, amamos nossa Igreja e temos também a convicção de que um dia também nesse ponto, e justamente a partir de testemunhos honestos como o seu e os nossos, a doutrina mudará.

Um grande e caloroso abraço. :-)

Jônatas disse...

Não é por acaso que a condenação aos homossexuais é bastante comum entre fiéis e sacerdotes "presos" no período pré-conciliar.

Equipe Diversidade Católica disse...

Pois é. Essa visão "pré-conciliar" ainda não leva em conta a liberdade humana e a prerrogativa de consciência; que procura ainda uma hierarquia que forneça fórmulas de certo e errado, do que fazer e do que não fazer para assegurar a salvação. Essa mentalidade é sempre uma tentação para todos nós... é mais cômodo, mais fácil, do que ser responsável por cada escolha, a cada instante, sem receitas nem fórmulas prontas. Ter de estar sempre atento e vigilante pode parecer tão cansativo... :-)

Gde beijo, Jônatas! :-)

Daniel disse...

Que, se puderem, me desculpem as mentes mais conservadoras, mas se me considero um "gay católico" (porque me considero mesmo) é mais pelo fato de eu haver crescido dentro da (por que não?) Farisaica Igreja que nos tem empurrado seus dogmas de exclusão. Cristandade é muito mais simples que tanta discussão burocrática. Todos sabem que poder e burocracia pouco contribuem para a felicidade de uma pessoa. Porém, sim, sou gay e sou católico e também me sinto um prisioneiro e um bode expiatório da minha Igreja.

Daniel disse...

Que, se puderem, me desculpem as mentes mais conservadoras, mas se me considero um "gay católico" (porque me considero mesmo) é mais pelo fato de eu haver crescido dentro da (por que não?) Farisaica Igreja que nos tem empurrado seus dogmas de exclusão. Cristandade é muito mais simples que tanta discussão burocrática. Todos sabem que poder e burocracia pouco contribuem para a felicidade de uma pessoa. Porém, sim, sou gay e sou católico e também me sinto um prisioneiro e um bode expiatório da minha Igreja.

Equipe Diversidade Católica disse...

Querido Daniel,

Entendemos perfeitamente seu sentimento. Mas, olha, a Igreja não é só exclusão. A transformação no sentido do entendimento exatamente disso que vc colocou, e da abertura, já vem se dando e é inexorável. :-) Fora que a Igreja - lembrando que "Igreja" não é só o Magistério, mas todos os batizados - também é inclusão e amor. De fato, ela contempla toda a diversidade da experiência humana, e por isso é santa e pecadora - tem todas as limitações humanas, mas ao mesmo tempo luta por realizar seu anseio de Deus. Exatamente como cada um de nós.
:-)

Nesse sentido, à medida que descobrimos em nós a riqueza da fonte de vida e liberdade que nos é trazida por Cristo, à medida que amadurecemos como cristãos e cada vez mais nos apropriamos da nossa responsabilidade perante nossa própria consciência, vamos nos tornando os cristãos e a Igreja que queremos ver neste mundo, e ajudando a construir o Reino aqui e agora. ;-)

Convidamos você a ler os depoimentos de outros gays católicos, aqui. E também um texto longo, mas que vale a pena: "Fé além do ressentimento: fragmentos católicos em voz gay". Esperamos que você goste.

Um afetuoso abraço!

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