quinta-feira, 17 de novembro de 2011

“A natureza é perfeita graças à nossa imperfeição”


Percebemos que a ideia de conciliar nossas identidades de gays e católicos muitas vezes causa um certo estranhamento ou mesmo desconforto em algumas pessoas - e, nesse caso, não só os "fundamentalistas", mas também em muitos gays não-religiosos. Em vista disso, iniciamos há algumas semanas uma série de depoimentos aqui no blog, que serão publicados sempre às quintas-feiras, às 15h, de algumas das pessoas que frequentam as reuniões e atividades do Diversidade Católica e que se dispuseram a compartilhar, com os leitores do blog, um pouco de suas histórias e suas vivências como gays e católicos que são.

A série pode ser acessada através da tag "gay e cristão".

A cada um deles, sempre, nosso muito obrigado. :-)


Aproveitando essa abertura que o Blog nos dá, vou abusar aqui desse contato e dar meu depoimento também... hehe! Sem pretensão e espero que possa ser útil a alguém!

Minha educação sempre teve como base os conceitos da religião católica, tanto na escola como em minha casa. Infelizmente era um conceito de um “Deus” formatado como severo e austero, eu cresci temendo ser castigado pelos meus atos anti-heterossexuais e como sofri e custei a me livrar desse “Deus”.

Foi então que na minha adolescência, entre a década de 1970 e 1980, que descobri o mundo através dos grandes jornais. Eu comprava aos domingos e devorava as reportagens sobre tudo que eu achava interessante, principalmente no que dizia respeito a comportamento humano (religião, psicologia e sociologia). Pois meu pai só comprava jornais populares, daqueles que se espremesse saía sangue.

A partir daí tive consciência que os meus problemas eram parecidos com os de todo mundo, tanto para homossexuais ou heterossexuais. Quando me dei conta, na adolescência, eu estava gostando de ficar juntinho de algum amigo que me dava mais atenção e carinho “inocentemente”. Acho que por sorte ou por simpatia, sei lá... só sei que eu sempre fui correspondido por algum colega ou amigo do meu circulo de amizade, pois na fase da minha adolescência atos de homossexualismo não eram muito explícitos e compreendidos.

Trocar carinho e ficar pertinho era normal entre a gente (eu e o amigo). Lembro-me muito bem dos gestos afetuosos de algum amigo que queria ficar perto mim tanto na amizade de colégio ou nas outras amizades. Hoje eles são chefes de família, me parece então que são heteros...! Talvez sim. Nunca tive amizade ou contato com um gay (assumido ou não) nessa fase da minha vida, meu círculo de amizade sempre foi com pessoas aparentemente heterossexuais até onde eu sabia. Percebi que eu era diferente deles apenas no interesse afetivo e erótico. Por quê?

Porque percebi que os outros hábitos que eu tinha eram parecidos com os de todos, éramos adolescentes alegres e saudáveis que gostávamos de esportes, festas... etc... por isso nunca me senti tão diferente assim, talvez por ter descoberto o mundo através da leitura e nem por isso me isolei de ninguém mesmo preferindo os meninos em vez das meninas pra trocar carícias... não sou assumido publicamente, não sei se por medo, covardia ou por achar que não tem necessidade, pois nunca vi héteros saindo por aí dizendo que são héteros, exceto quando são questionados.

Talvez não sentisse e ainda não sinto essa necessidade de ter que assumir a minha preferência sexual publicamente, acho que isso só diz respeito à pessoa que está envolvida comigo, procuro não fazer disso um drama e nem o fim do mundo, apesar do meu terapeuta achar que seria bom informar a minha preferência sexual aos mais chegados a mim (família, amigos).

Não é fácil crescer com dúvidas e crises existenciais do tipo “quem eu sou, porque Deus me fez assim?" etc. Sei que passei por todo esse processo e sobrevivi saudável e mais esclarecido graças a minha vontade de saber mais e ao meu terapeuta, principalmente em relação a ver qual é o Deus que convive comigo.

Hoje estou vivendo uma experiência inusitada aos olhos do mundo convencional. Pasmem, mas estou morando há seis meses com um rapaz hétero convicto... como assim?! Temos um conhecido em comum, e foi através dessa pessoa que eu o conheci e uma semana depois estava morando comigo. Sei que devem estar se perguntando porque um hetrero resolveu morar comigo (um gay)!

Doidera mesmo! Mas deu certo... Confesso que quando fomos apresentados fiquei impressionado com sua beleza, aliás normal para uma observação de um cara homossexual, certo? Mas tive o cuidado de transparecer que também curti a pessoa dele e por incrível que pareça essa impressão foi recíproca, pois o tal amigo em comum já tinha falado da minha pessoa pra ele e vice-versa. Daí surgiu a curiosidade de sermos apresentados.

Desde o primeiro dia dessa nova relação sempre houve uma convivência harmoniosa em casa. Ele me admira e me vê como um grande amigo que surgiu na sua vida num momento em que estava passando por graves problemas e eu também passava por problemas parecidos. Ele veio estudar aqui no Rio de Janeiro e procurava um lugar pra se hospedar durante os estudos.

A convivência está sendo tão prazerosa para ambos que agora não é mais hóspede e sim um amigo e companheiro. Às vezes ele fica surpreso por sermos tão diferentes um do outro e mesmo assim declara seu amor de amigo por mim e não faz a menor cerimônia de dizer que sente saudade de mim na minha ausência e que gosta da minha companhia. Acho isso muito bonito da parte dele sendo um hetero convicto. Apesar dessa admiração e carinho que sente por mim ele não se conforma de eu ser homossexual e diferente dele. E sempre digo a ele que foi graças a essa diferença que a vida nos uniu e ele sorri e acaba confessando que realmente é verdade. Estou lendo um livro que diz que a natureza é perfeita por causa da imperfeição e da diversidade, parece que isso se aplica a minha situação.

Claro que na maioria das vezes a “mulherada” rouba a atenção dele e o arrasta para as noitadas e eu tenho as vezes que ficar em casa sozinho, mas isso está tranqüilo de resolver, pois passei no teste do ciúme... hehehe! Descobri que esse ciúme era de atenção e não de paixão platônica (que, aliás, seria normal na minha situação, um gay, sendo ele um gatão sarado... hehe), mas não é o caso, pois também tenho meus fãs e fico feliz quando ele retorna contando suas aventuras com a “mulherada” e ficamos rindo e depois vamos comer pizza. Ele agora faz parte da minha vida e eu da dele. Ele confessa que tem sim preconceito com outros “gays” e superou as suas suspeitas a minha pessoa com a convivência. Acho que preconceito sempre vai existir tanto de heteros para gays e o contrario também por causa do julgamento sem convivência. Acho isso normal, não somos perfeitos.

A conclusão que tiro dessa experiência com meu novo amigo é que o Deus que descobri que existe dentro de mim é o mesmo do meu companheiro hetero. Jesus sempre mostrou que o respeito, a caridade e o amor ao próximo é que nos faz sentir em conexão com Deus. Devemos sempre conviver em harmonia, pois somos iguais acima de tudo como seres humanos e não deveria ser diferente por causa das preferências sexuais. Sendo assim eu e meu amigo e companheiro estamos vivendo segundo a vontade de Deus!

Chamo-me Roby, sou um ser humano católico praticante, com interesse em amar sempre outro ser humano.

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