sábado, 15 de outubro de 2011

Respeito à dignidade humana: um elo para a liberdade nas relações afetivas


O jesuíta Juan Masiá é professor de Ética na Universidade Sofia (Tóquio) desde 1970. Foi diretor da Cátedra de Bioética da Universidade Pontifícia Comillas, assessor da Associação de Médicos Católicos do Japão, conselheiro da Associação de Bioética do Japão, pesquisador do Centro de Estudos sobre a Paz da seção japonesa da Conferência Mundial das Religiões pela Paz (WCRP), além de colaborador do Centro Social “Pedro Claver” da Companhia de Jesus em Tóquio. Seu site pessoal, intitulado Vivir y Pensar en la Frontera é um rica fonte de consulta para os temas latentes em nossa sociedade.

Na entrevista que segue, feita por e-mail pela IHU On-Line e aqui reproduzida com grifos nossos, Juan Masiá fala sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo e afirma: “temos de reconhecer que a reflexão antropológica sobre este tema tem chegado com atraso em relação às situações de fato”. Para ele, “o critério ético das relações humanas é o respeito mútuo à dignidade humana por parte de pessoas que se querem e se ajudam a crescer mutuamente. E este critério vale para avaliar uma relação de um casal, tanto heterossexual como homossexual”.

Eis a entrevista.


Considerando a possibilidade de união civil entre pessoas do mesmo sexo, o senhor acredita que ainda estejamos longe de uma celebração religiosa entre homossexuais, que também podem sonhar com a bênção de Deus para seu relacionamento?

Conhecendo a lentidão das mudanças na Igreja, assim como os medos e tabus que existem em torno desta questão, não só entre a hierarquia eclesiástica, como também entre o povo crente em diversas partes do mundo, receio estarmos longe de um reconhecimento oficial de tal celebração. Isso não impede, no entanto, que ante a situação de diversas pessoas em circunstâncias muito variadas se atue com flexibilidade pastoral, bendizendo tal união no foro da consciência e no seio de comunidades que a compreendem. Conheço, de fato, um caso em que isso foi realizado de modo muito apropriado e discreto.

Como é, hoje, o comportamento por parte da Igreja em relação a um casal de orientação homossexual que é católico e a freqüenta?

Conheço comunidades, sacerdotes e agentes de pastoral que acolhem esta situação com naturalidade e normalidade, mas lamento o fato de que sejam exceções.

Em que sentido a Santa Sé deveria avançar nessa questão da homossexualidade no intuito de caminhar com as mudanças da sociedade? O que o senhor pensa sobre a postura do Vaticano em relação a esse assunto?

Mais do que se pôr a caminhar no ritmo das mudanças na sociedade, creio que a razão fundamental para mudar de atitude ante estas pessoas e para modificar as restrições atuais na prática pastoral se baseia em levar a sério o ensino sobre não discriminar injustamente, tal como aprendemos nas palavras de Paulo: “Já não há em vossa comunidade distinção de judeus e gregos, escravos ou livres, homens ou mulheres, pois todos e todas se fazem um, mediante Jesus, o Cristo” (Gal 3, 28). Assim tentei expor brevemente no capítulo 13 de “Tertulias de Bioética” (Sal Terrae, 2005: Trotta, 2006; traduzido no Brasil pelas Edições Loyola, de São Paulo, em 2007).

Qual é o papel dos políticos católicos em relação à lei que aprova a união civil homossexual?

Pode haver, entre as pessoas católicas que desempenham um papel na política, diversidade de opiniões sobre a lei, assim como há o debate sobre se a referida união deve ser chamada ou não de matrimônio. Se têm motivos para lutarem contra, deveriam fazê-lo alegando razões para serem discutidas no debate plural e democrático. Mas não deveriam sentir-se obrigados a se opor a todo custo somente pela razão de seguir cegamente a postura expressada oficialmente pela Igreja. Se decidem se opor, deveriam dar razões compartilhadas por diferentes pessoas, independentemente de suas crenças religiosas. Uma vez que a lei foi aprovada pela maioria parlamentar, deveriam aceitar as regras do jogo democrático e não violá-las em nome de posturas religiosas convertidas em ideologia.

Para o senhor, quais são as diferenças entre a sociedade latino-americana e a sociedade japonesa em relação à união civil entre pessoas do mesmo sexo?

Não estou em condições de opinar sobre a sociedade em diversos países latino-americanos. No Japão, percebo demasiados tabus e falta de capacidade para dialogar abertamente, não só no tema das relações homossexuais, como também em outros temas de direitos humanos como, por exemplo, a igualdade de tratamento à mulher, o respeito à intimidade ou o tratamento desumano nas prisões, sobretudo no caso de pessoas condenadas à pena capital.

E o que o senhor pensa sobre a união civil entre homossexuais? Acredita mesmo que, como diz a Igreja, essas pessoas devam manter a castidade?

Temos de reconhecer que a reflexão antropológica sobre este tema tem chegado com atraso em relação às situações de fato. Por outro lado, as mudanças legais têm acontecido em diversos países com ritmo e velocidade diversa. Seria desejável que, antes de polarizar-se politicamente o debate nos parlamentos, se tivesse podido debater serenamente, no âmbito da cidadania, levando em consideração os aspectos jurídicos, psicológicos ou sociológicos. Quanto à referência ao tema da castidade, penso que se sugere desfocar por tratá-lo desde a perspectiva da chamada “moral ou ética da sexualidade”. Parece-me preferível não polarizar-se no tema das relações sexuais exclusivamente. Haveria que enfocá-lo partindo de uma “ética das relações humanas”. O critério ético das relações humanas é o respeito mútuo à dignidade humana por parte de pessoas que se querem e se ajudam a crescer mutuamente. Este critério vale para avaliar uma relação de um casal, tanto heterossexual como homossexual, ou também as relações de amizade e companheirismo entre pessoas que vivem em comunidade por terem feito uma opção de celibato por motivação religiosa. Se esse critério for observado, a relação é boa. Do contrário, não é. Não se deve definir a moralidade polarizando-se exclusivamente na relação sexual no sentido estrito da palavra. Mas isto supõe que tenhamos uma ética de critérios e não de fórmulas prontas.

Que tipo de dilema e dificuldades um homossexual católico (homem ou mulher) costuma enfrentar? Que tipo de conflito interno e de fé aparece aí?

Tenho tratado em consultas pastorais com pessoas que, em vez de sentirem-se ajudadas por sua fé, tinham maiores dificuldades na hora de resolver conflitos internos, em razão da culpabilidade proveniente da maneira como haviam sido educadas em suas crenças e por sentirem-se excluídas da comunidade eclesial. Nesses casos, antes do problema dos conflitos que podem surgir pela orientação sexual, é preciso desmontar culpabilidades patológicas e corrigir a imagem que têm (ou na qual foram educadas) sobre Deus, sobre culpa e perdão ou sobre o enfoque evangélico da moralidade.

Qual é a sua opinião sobre a questão da homossexualidade dentro da Igreja? Podemos vislumbrar a possibilidade de termos sacerdotes com orientação homossexual?

Tanto com uma orientação sexual homossexual, heterossexual ou inclusive assexuado, o problema não é a orientação, mas a opção pela vocação, se tem aptidão para ela e se há condições de seguir esse caminho. Lembro que, quando anunciei que iria para o noviciado, alguém comentou, com ironia: “É por que você não gosta de meninas?”. A brincadeira me incomodou e protestei dizendo que não é condição para escolher este caminho ser insensível, frígido, desumano ou assexuado. Hoje, expressaria isso de forma mais suave e serenamente dizendo: “Tanto uma pessoa de orientação heterossexual ou uma pessoa de orientação homossexual, ou inclusive assexuada, o que deve se sugerir, antes de optar por este caminho, é se está decidido a crescer na integração de sua sexualidade em sua personalidade, com o objetivo de capacitar-se para tratar com maturidade com homens e mulheres diferentes, sem inibir-se”.

- Graziela Wolfart

2 comentários:

RICARDO AGUIEIRAS disse...

Muito interessante. Seria perfeito se tod@s, dentro e fora das Igrejas, tivessem a lucidez e a coragem honesta de Juan Masiá.
Obrigado!
Beijos,
Ricardo Aguieiras
aguieiras2002@yahoo.com.br

Equipe Diversidade Católica disse...

Pois é, Ricardo, infelizmente os fundamentalistas tendem a ser mais barulhentos e acabam conquistando, no grito, mais espaço... por isso procuramos abrir espaço aqui, sempre que encontramos outras formas de pensar: para mostrar que também essas pessoas existem e é de mãos dadas com elas que devemos caminhar. :-)

Um forte abraço!

:-)

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