quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O que é afinal viver segundo a vontade de Deus?

Foto: i can read

Percebemos que a ideia de conciliar nossas identidades de gays e católicos muitas vezes causa um certo estranhamento ou mesmo desconforto em algumas pessoas - e, nesse caso, não só os "fundamentalistas" citados pelo autor do texto abaixo, mas também em muitos gays não-religiosos. Em vista disso, iniciamos hoje uma série de depoimentos aqui no blog, que serão publicados sempre às quintas-feiras, às 15h, de algumas das pessoas que frequentam as reuniões e atividades do Diversidade Católica e que se dispuseram a compartilhar, com os leitores do blog, um pouco de suas histórias e suas vivências como gays e católicos que são.

A cada um deles, sempre, nosso muito obrigado. :-)


Muitos “fundamentalistas cristãos” ao acessar esse blog podem pensar que é um absurdo ser gay e ser católico. Não me espanto mais em encontrar com esse tipo de pensamento, às vezes violento, quando vivemos em um mundo muito longe da proposta de amor e de fraternidade anunciada por Jesus Cristo, há mais de 2000 anos.

Sou oriundo de família católica, tenho até um tio padre missionário. Mas minha vivência religiosa só se concretizou aos 17 anos, quando me preparava para receber o sacramento da Crisma.

Quando cheguei a essa nova fase da minha vida eu já tinha conhecimento que eu era, como os rotulistas gostam de proclamar, “diferente”. Passei minha adolescência sempre reparando mais no torso dos meninos do que no desenvolvimento dos seios das meninas. E jamais me senti culpado por isso, porque o que eu sentia era natural, espontâneo. Apesar de viver numa casa em que era “influenciado” pela heterossexualidade dos meus pais, eu me descobria homossexual.

Mas e a Igreja? O que pensa? E eis que vivenciei, a partir dos meus 20 anos, um período de grande questionamento. Tinha aprendido que Deus é amoroso, é misericordioso, é paz. E eu me pegava refletindo se esse mesmo Deus me condenaria por uma questão que era natural em mim, porém condenada pelo discurso da Igreja.

No auge dessa crise existencial, já certamente desesperado com uma “pseudo culpa” que até então não tinha, encontro no meu caminho um padre com quem fui me aconselhar sem receio algum de ser repreendido. Eu apenas precisava compartilhar tudo o que estava sentindo nos últimos meses, eu necessitava desabafar com uma pessoa que partilhava da mesma crença que a minha, que conhecesse o discurso da Igreja sobre homossexualidade, enfim, precisei buscar naquele sacerdote palavras para aliviar minha tensão. Infelizmente não podia procurar por isso nos meus pais, pois preconceito sempre foi palavra de ordem no âmbito familiar.

E tal decisão só me demonstrou o quanto Deus é amor! Após desabafar como se tivesse cometido algum crime. Após alguns minutos destrinchando um monólogo eu olho para o padre, que sorrindo me olha nos olhos e diz: “Deus quer que sejamos felizes! Se a sua consiste em partilhar a vida com outro homem, busque por isso sem culpa. Apenas não faça de sua homossexualidade uma promiscuidade”.

Surpresos? Eu também! Não que eu esperasse um discurso pronto, mas é que realmente essas palavras fizeram que eu sentisse o peso de uma tonelada se desmanchar pelos meus ombros e me sentir ainda mais acolhido pela Igreja que eu lia e ouvia me condenar por não ser heterossexual. Desde então aprendi a viver como um gay católico, sem culpa alguma de viver o que em mim sempre foi natural.

Anos seguiram, minha vivência pastoral se intensificou sem maiores interferências... O padre foi embora, outro veio... E com esse novo presbítero veio também uma mentalidade livre do preconceito. Abençoado duas vezes! Foi meu pensamento imediato. Me perguntei se o carisma da congregação religiosa à qual pertencem tinha a ver com esse discurso inclusivo.

Estava descobrindo neste novo padre um grande amigo, confessor e orientador espiritual. Uma pessoa em quem podia confiar, livre de julgamentos.
Pra mim nunca foi impossível conciliar minha (homo) sexualidade com a minha crença (católica). Uma nunca excluiu a outra. Ia à missa, comungava e participava da vida paroquial. Tinha muito claro que o discurso da Igreja podia até dizer que eu era errado por viver minha sexualidade, mas o amor de Deus transcende tudo isso. Eu namorava, tinha relações sexuais, saia para bares e boates gays, enfim, vivia minha sexualidade de forma plena.

Ter neste novo padre o apoio que precisava me mostrou uma Igreja que sabe que sou gay e não me despreza por isso. Tanto não me despreza que há pouco mais de um ano, a convite pessoal deste pároco, me tornei Ministro Extraordinário da Sagrada Comunhão. Um voto de confiança que ganhei desse amigo. Lembro-me de na época ter conversado com ele, porque além de uma grande responsabilidade, me preocupava que ele pudesse se expor demais em me escolhendo para este serviço. Não preciso nem comentar que essa questão não o pertubou.

Hoje tenho a mais plena certeza que Deus me fez assim! Sou criado à sua imagem e semelhança. Sou seu filho amado. E comungar e estar intimamente ligado a Deus neste momento só me fortalece na caminhada espiritual.

E não há ninguém que possa me expulsar de onde eu pertenço! O meu lugar é na Igreja sim, junto com meus outros irmãos, que longe de estereótipos, formam comigo a comunhão dos santos!

Este testemunho foi escrito por um gay católico de 33 anos que, entre muitas outras coisas, é arquiteto, Ministro da Eucaristia, Coordenador da Pastoral da Liturgia na Paróquia que freqüenta há 15 anos no Estado do RJ, e um grande amigo.

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