terça-feira, 4 de outubro de 2011

"A cristandade morre, mas não o cristianismo"

Foto: Jenni Holma

O filósofo Charles Taylor fala sobre a irretroatividade da secularidade, a perda da compreensão da Bíblia e a queda de antigas cosmovisões em entrevista concedida a Norbert Mayer e publicada pelo jornal Die Presse, 13-11-2007.

Eis a entrevista, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.


O Papa Bento XVI vê o secularismo de nossos dias abertamente como pecado. Em seu livro "A Secular Age" o senhor é muito mais compreensivo: o desenvolvimento seria irredutível. Como católico, o senhor realmente ainda segue a verdadeira fé?

Eu emprego o conceito de secularidade, que é um fato, e não é nenhum ‘ismo’. Considere as incríveis possibilidades da espiritualidade hoje e compare-as com o século XVIII. O mundo não era, então, tão sincrético quanto é hoje. Isso não se pode mais mudar. A Igreja precisa aprender a agir com esta espécie de mundo. Nós estamos mais próximos do Império Romano do que da Idade Média. A cristandade morre, mas não o cristianismo, este está sempre muito vivo. O papa fala sobre secularismo como doutrina e aí existem centenas de variantes. Não é possível sintetizá-las, principalmente não com a palavra "relativismo". Não vejo, portanto, o mundo como ele o vê.

O que se ganha e o que se perde com esse desenvolvimento da modernidade? Há também desenvolvimentos perigosos do iluminismo?

A vantagem é que perdemos as muletas das quais dependíamos, porque tudo, fora do católico, foi tornado ridículo. O negativo: que lentamente perdemos a compreensão da linguagem da Bíblia. Ela é tão profunda e espiritual, nós necessitamos dessa forma de expressão, mas essa linguagem empobrece para nós. Esta é sempre uma perda maciça. Quanto ao racional: se ele é visto muito estritamente, isso é ruim. Não se chega à verdade apenas por este caminho, há sempre uma margem na qual a gente se articula, a lógica e a empiria não podem abrangê-la plenamente. Trata-se de ver quão profundamente uma linguagem penetra na compreensão do mundo. Então podemos exercer reciprocamente uma crítica racional, sem jamais chegar a uma origem clara. O racionalismo também está sempre vinculado com determinado ponto de vista.

Então á verdade é sinfônica para o senhor?

Nós tentamos, em última análise, recompor fragmentos para, através disso, compreender o mundo. No final, creio eu, tudo deveria ajustar-se.

O poeta W. B. Yeats escreveu profeticamente em 1921, no poema "The Second Coming": "Things fall apart, the center cannot hold" [As coisas decaem, o centro não pode contê-las]. Esta também ainda é a nossa situação?

Isso ocorre constantemente, sempre abandonamos cosmovisões mais antigas, que para nós forneciam sentido, porém não totalmente como neste poema apocalíptico.

Como um dos pontos de virada, do qual não houve retorno e que foi essencial para o desenvolvimento da sociedade ocidental moderna, o senhor descreve a introdução da confissão auricular no quarto concílio de Latrão, no ano de 1215. O que, nesta medida da Igreja, foi tão perigoso?

O perigo implícito em tal movimento de reforma é que não se entende o que realmente representa a espiritualidade do povo que se gostaria de pôr na linha. A confissão auricular levou a uma clericalização das igrejas, o que se queria era o controle, a proibição de peregrinações regionais ou até mesmo do carnaval. Essa mobilização forçada oprime uma vida religiosa espontânea e afasta as pessoas. Pode ter o efeito de que se afastem as pessoas das igrejas. Muitos representantes do alto clero não sabem isso, eles cometem o pecado do orgulho.

O senhor é um intérprete de Hegel. Se este filósofo alemão ressuscitasse hoje dos mortos, o que não admito, e visse o nosso mundo, qual seria sua reação, principalmente em relação à religião?

Ele por certo ficaria totalmente admirado. Em seu prognóstico ele infelizmente se posicionou marginalmente, porque para ele, no grande ocaso da religião também teria havido um ocaso de toda a civilização moderna. Segundo Hegel, as verdades da filosofia, que só são entendidas profundamente por uma minoria, só podem ser vividas pelo conjunto da sociedade no registro da religião. Seu desaparecimento abre um rombo tão grande em seu conceito, que só com muita dificuldade se pode conceber sua reação.

O seu livro sobre a era secular se direciona mais contra o ateísmo, ou mais contra o pessimismo?

Ele não se direciona nem contra um, nem contra o outro. Eu só quero entender porquê as pessoas assumem essas posturas, o que as torna atraentes.

Segundo sua opinião, a fé sempre deveria estar aberta para o diálogo. Quais seriam os temas quentes dessa conversação?

Nós todos devemos ser capazes de entender-nos com esse pluralismo insistente. Pessoas que pensam de maneira bem diversa vivem hoje na mesma rua. Somente por isso já devemos permanecer em diálogo com elas.

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