sábado, 20 de agosto de 2011

Senhor, perdoa-lhes. Eles não sabem o que fazem...


Têm repercutido na imprensa, ao longo de toda a semana, as notícias sobre a visita de Bento XVI à Espanha para participar da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e os confrontos entre os jovens católicos participantes da jornada e manifestantes contrários à visita do papa. Chamou-me especialmente a atenção a legenda de uma foto publicada no site do Globo: "Um manifestante mostra uma camisinha para um católico, que revida o ato com um crucifixo na mão" - achei emblemática não só dos acontecimentos em si, mas também do tratamento que estes vêm recebendo da imprensa.

A realização desta JMJ em Madri é de grande complexidade, e vem sendo há meses alvo das mais diversas críticas, tanto de fora quanto de dentro da Igreja Católica. De fora, na medida em que, em plena e grave crise econômica na Europa, e particularmente na Espanha, o contribuinte espanhol se viu onerado pelos custos de uma visita pontifícia - que, ao contrário do que argumentou conosco um rapaz outro dia no Twitter, não é uma visita de um chefe de Estado para questões de Estado; nesta ocasião específica, trata-se de uma visita de um líder religioso, a fim de participar especificamente de um evento religioso, exigindo todo um aparato montado pelo Estado às custas do contribuinte.

As críticas de dentro da Igreja são talvez mais contundentes. Essas, não vi veiculadas na grande imprensa, que preferiu se ater ao caráter folclórico, talvez rídículo, talvez chocante, dos jovens católicos brandindo cruzes perante os manifestantes que ostentavam camisinhas. Critica-se o sentido populista da Jornada, critica-se suspeitas de corrupção, critica-se supostos interesses escusos por trás da festa, critica-se o papa por ir falar aos jovens católicos na Espanha em vez de aos famintos no Chifre da África. Como dissemos ao rapaz do Twitter, há um importante debate a se fazer em torno dos muitos fatores envolvidos nesse evento. A saída mais fácil é criar dois lados opostos, um bom e um mau, um certo e um errado: o papa é bom, os manifestantes são maus; os jovens católicos são bons, os manifestantes são maus. Ou loucos. Ou o contrário. Tanto faz: a lógica é a mesma, e o pernicioso é acreditar nessa divisão simplista e maniqueísta.

O advogado Renato Pacca, autor de um dos blogs do jornal O Globo, publicou uma observação interessante esta semana, a propósito das manifestações públicas de repúdio às políticas da Igreja Católica (entre elas, um beijo gay coletivo) organizadas pelo movimento LGBT espanhol, que acusou a JMJ de ser "discriminatória e excludente". A entidade também incentivou os jovens a defenderem uma sexualidade "livre, plural, segura e prazerosa". Reproduzo sua crítica abaixo:
Não é incrível o conceito muito particular desses manifestantes quanto à liberdade de pensamento e de manifestação??? Ninguém é obrigado a seguir a doutrina católica apostólica romana, mas é preciso um mínimo de respeito para com a crença alheia e para com o direito de reunião. Imaginem se os católicos estivessem protestando contra uma reunião do movimento gay? Certamente seriam acusados de querer impor a doutrina da Igreja, de não respeitar a diversidade sexual, e por aí vai.

Pois bem, o movimento gay espanhol demonstra apenas intolerância e radicalismo ao querer confrontar a Igreja e seus seguidores. A liberdade, para eles, só serve em beneficio próprio, pois não se inibem de exercer a opressão em relação à opinião alheia, quando podem. O que poderia ser mais discriminatório e excludente do que pretender impor uma única visão de mundo, alegadamente "plural" mas evidentemente de índole totalitária?
Ele não deixa de ter razão. O problema é que precisamos ter uma infinita atenção para não cairmos na esparrela de tentar mudar o "sistema" sem sair de dentro dele. Se moralistas e fundamentalistas religiosos se imiscuem nos negócios de Estado para nos negar direitos e impingir violências, não podemos reagir gritando de volta que "loucos", "demônios", "bandidos", "doentes", "pervertidos", "errados" são "eles", e nos metermos a julgar os seus preceitos religiosos. O que está fundamentalmente errado é justamente isso, a lógica do "nós" contra "eles". Porque aí permanecemos na lógica da exclusão, do totalitarismo, do autoritarismo, da imposição da "minha" moral, que é "melhor" do que a "sua". Aí, nos restringimos ao embate de forças, e quem for mais forte ganha. Só que, lamento informar, cabo-de-guerra não é diálogo. A lógica do "certo ou errado" é a antítese do pluralismo.

De um lado e de outro, o que se viu na Espanha esta semana, infelizmente, foi um festival de violência e intolerância de parte a parte. Que mundo manifestantes de um lado e de outro pretendem construir com isso?

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