sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Dodóizinha, eu?! Ressignificar para derrotar

Ilustração: Laura Wesson

Homossexualidade ou homossexualismo? Esta discussão sempre recai sobre o segundo sufixo designar de doença. Bom, sendo doença dá pra ver que não é contagiosa, afinal, lá estão papai e mamãe ainda heteros, depois de décadas de convivência. E o que dizer dos meus irmãos: cama, roupa, brinquedos, escola, tudo ali, bem partilhado e embolado e nada: o irmão casado com uma mulher, a irmã casada com um homem. O vírus do homossexualismo não os pegou. A única dodóizinha lá de casa sou eu. É claro que não dá para avaliar o restante da família ou a cada 10, no máximo, vamos encontrar outro infectado! Claro que é brincadeira ou a previdência teria quebrado de tantos aposentados por doença e incontáveis empresas teriam falido com tantos atestados! “Hoje não posso ir, ainda estou com homossexualismo. Sim, sim, certeza absoluta, esta madrugada mesmo um forte sintoma se manifestou’.

Nessa discussão sobre o ismo, alguém sempre explica que o dito cujo também serve para designar outras coisas, por isso poderia se falar homossexualismo. A questão é que quem faz uso do termo homossexualismo, ainda hoje, é homofóbico de carteirinha ou é completamente alheio a estas questões. Sendo um desavisado, aí sim, vale à pena explicar a luta para tirar a pecha de doença de todo um grupo social, através da palavra. Sendo um homofóbico, este tem o propósito de desqualificar e agredir, além de desviar o foco da discussão - perdida desde sempre, se a tentativa de diálogo se dá com uma pedra. Portanto, vamos lutar para que o ismo não manche nossa comunidade, mas vamos também superar o incômodo que esta praga nos causa a cada vez que é mencionada.

A palavra homossexual foi cunhada como protesto à palavra sodomita e heterossexual era quem tinha “atração mórbida pelo sexo oposto”, tudo ali pelo final do século XIX, depois logo tudo se inverte e homossexual é o desviante e o normal é o hetero. Duvida? Google it! O que importa é ver que as palavras vão sendo ressignificadas. Hoje, a oposição entre os sufixos dade ou ismo pode dizer respeito também ao que é individual ou coletivo, assim, é correto afirmar que homossexualidade diz respeito ao indivíduo e homossexualismo ao grupo. Portanto, heterossexualismo neles!

A idéia é ressignificar para derrotar. Veja a palavra sapatão, o que até então era um termo agressivo, pejorativo, usado como xingamento para agredir mulheres ditas masculinas, perdeu sua força e de forma muito simples: as próprias começaram a fazer uso do termo, tomaram para si “o poder da palavra”. Esvaziaram-na do sentido opressor para lhe ressignificar de forma transgressora. Passamos de vítimas a agentes. Não novos algozes, mas agentes. E passar de uma posição a outra é uma grande subversão. Cada um de nós deveria acatar esta ação como exercício diário. Ah, sapatão! Ah, bicha! Ah, mona! É isso mesmo, se alguma palavra lhe incomoda, vá em frente, tome-a para você, se aproprie! Veja como ela deixa de lhe ferir rapidamente. Digo isso com toda propriedade, pois até um tempo atrás, meus cabelos – todos! – quase caiam ao ouvir sapatão dirigido a mim. Sapatão, eu? Sim, eu, Ivone Pita, sapatão, muito prazer. E se for para o bem geral da nação LGBT, diga ao povo que minha individual homossexualidade, de hoje em diante, passa a servir ao nosso coletivo homossexualismo.

- Ivone Pita
Publicado originalmente no Gay Um

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