quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Costumes

Escultura: Sean Henry

Meu amigo Hugo Nogueira me enviou estas belas passagens de Gianni Vattimo*. Um testemunho sobre o choque entre a descoberta da sua identidade e a atitude religiosa danosamente moralista - e porque a postura tradicional não pode mais ser a resposta aos anseios do povo de Deus.

"...o objecto de amor por causa do qual alguém pode decidir não ir mais à missa... consciência de que pertencia (ou... que tinha escolhido pertencer?) a uma minoria sexual, entregue àquilo a que o catecismo chamava vício contranatura, pecado contra o Espírito Santo...

...Não conseguia acreditar então, e não acredito certamente agora, que a conduta homossexual seja intrinsicamente desordenada, pelo que não poderia existir uma vida moralmente digna a não ser no âmbito do 'uso' legítimo, o reprodutivo, da sexualidade. Hoje, mais claramente do que então, dou-me conta de que o horror da Igreja Católica pela homossexualidade é um dos mais evidentes resíduos supersticiosos que a marcam... Comecei a deixar de ir à igreja quando... comecei a tentar construir uma vida sentimental livre do esquema neurótico do pecado e confissão. Além disso, como poderia pertencer a uma igreja cujo ensinamento público me considera uma pessoa moralmente desprezível ou, quando muito, se aceitasse esta qualificação, como um doente que é preciso curar, um irmão monstruoso que se deve manter escondido?... Podemos, certamente, não exagerar o problema da própria constituição homossexual...; mas não ao ponto de ignorar a relação entre esta forma de exclusão e tantas outras que caracterizam a nossa sociedade e, consequentemente, a Igreja, que tanto no plano da moral como no da política, parece estar condenada a chegar sempre com séculos de atraso relativamente à evolução dos costumes".
(Fonte: VATTIMO, Gianni. Acreditar em acreditar. Lisboa: relógio D'Água, 1998, p.137.)

"Regressar à Igreja...[não é o] voltar arrependido à casa paterna [mas traduz a reivindicação do] direito de voltar a ouvir a palavra evangélica sem ter por isso de partilhar as verdadeiras superstições, em matéria de filosofia e de moral, que ainda a obscurecem na doutrina oficial da Igreja".
(Fonte: VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. Lisboa: Relógio D'Água, 1992, p. 73.)
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* Criador da filosofia do “pensamento fraco”, Vattimo escreveu inúmeras obras, das quais destacamos Acreditar em acreditar (Lisboa: Relógio D’Água, 1998); Depois da cristandade. Por um cristianismo não religioso (São Paulo: Record, 2004) e O fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna (São Paulo: Martins Fontes, 1996). Vattimo também é deputado no Parlamento Europeu.

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