segunda-feira, 13 de junho de 2011

Quando a Igreja se reduz a ser uma agência ética


O desvio moralista nos impede de ver a mudança radical que está ocorrendo na humanidade de hoje. Publicamos aqui a carta do teólogo e eremita camaldulense italiano Paolo Giannoni, professor emérito da Faculdade Teológica da Itália Central, ao diretor da revista italiana Settimana, nº. 20, 22-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto, reproduzido via IHU com grifos nossos.

Caro diretor,

Gostaria de compartilhar alguns pensamentos sobre a atual situação da nossa Igreja. Devo ser sincero. Vejo muitas razões para deixar sepultado aquilo que já está morto. Pressinto a necessidade crescente de uma Igreja com mais silêncio, mais reflexão, maior disponibilidade à transformação, a viver a riqueza da pobreza e da paixão de Cristo. Exatamente o contrário do que acontece.

Aqueles que têm responsabilidades diretivas na Igreja conseguirão entender que vamos rumo a uma Igreja mais pobre, pobre de pessoas e pobre de dinheiro? Conseguirão entender que não podemos nos ajustar só sobre o valor da moral, ou principalmente sobre ele? Não se reduz o Evangelho a um valor ético, e a moral, a obra eclesial. Quando insistimos sobre a prevalência de sermos um corpo ético ou uma agência ética sacrificamos inevitavelmente a animação espiritual e nos candidatamos a uma presunção de hegemonia que já não tem qualquer parâmetro na realidade secular. A mentalidade geral hoje tem seus próprios códigos éticos, diferentes dos do patrimônio eclesial. Forçar a coincidência entre os nossos códigos e os difundidos por vias políticas significa colocar em risco a credibilidade do Evangelho e a própria possibilidade de entendimento sobre a ética.

A questão antropológica ou o desastre antropológico não são enfrentados com o recurso à política e com a pretensão de escrever as leis do Estado, mas sim participando no debate público sobre a base do Evangelho. Caso contrário, entramos em contradições insolúveis. Certamente, é necessário o respeito e o amor pela vida, mas o comércio das armas não vai contra a vida? Certamente, é apreciável o respeito pelos embriões, mas é aceitável que uma criança seja impossibilitada de acompanhar a escola? Certamente, somos contra o aborto, mas a recusa a quem pede asilo não equivale ao aborto? Não sermos opostos à abolição da fraude contábil não significa falhar na defesa do sétimo mandamento? Sim à defesa da família, mas não por parte de quem vive e legitima a prostituição. E o que dizer do silêncio – felizmente interrompido pela Cáritas – sobre o financiamento estatal de caráter social que passou de 1,520 bilhões em 2008 para 349 milhões em 2011?

São reflexões que o Pe. Severino Dianich expressou muito bem na revista Il Regno (20, 2010) e que eu havia intuído de alguma forma em um artigo nesta mesma revista em 1991, quando falei do "cisma informal", denunciando um crescente desinteresse pelo caminho em geral da nossa Igreja. Renunciar ao confronto paciente ou se esconder atrás de um muro de incenso para proteger seus seus atalhos não leva a lugar algum.

Entre a uniformidade de uma homologação impossível e o desgaste anarquista, existe a possibilidade de uma unidade da Igreja como veste de Cristo tecido em uma única peça, mas de muitas cores, como a veste de José. A literatura subsequente sobre o "cisma submerso" mostra suficientemente os danos já provocados (cf. Il Regno, 2, 2011, p.43).

O desvio moralista nos impede de ver a mudança radical que está ocorrendo na humanidade de hoje. Mais do que de antropologia, se deveria falar de antropogênese. As mudanças de paradigma são radicais. E isso exige não uma eclesiologia, mas sim uma eclesiogênese, não uma teologia, mas sim um teogênese. Em síntese: não a exibição do nome de Deus, mas sim o seu silêncio.

Certamente, o anúncio de um Deus trinitário não pode se limitar a afirmar sua subsistência, mas sim a ilustrar sua relação, não a sua totalidade malvada, mas sim a sua “alietas” libertadora, a sua diversidade inalcançável, que porém anima todas as criaturas. Permanece a dificuldade impossível de anunciar a santidade de Deus.

Esse é o primeiro testemunho, a primeira oferta que, como Igreja, temos que receber, viver e anunciar. Se não permanece entre nós a primeira e principal forma da santidade de Deus, nos tornamos uma Igreja heterodoxa. Quando a ética torna-se "teologia antes", já estamos na heterodoxia. A santidade de Deus é uma santidade dramática, como bem intuiu Dostoiévski. No "caso grave de Deus" e "caso grave do homem", a estética teológica supera a maravilha, porque magnifica a verdade divina do estupor. A maravilha pode implodir na cosmética; o estupor traz a santidade divina na beleza do coração humano.

Voltar à reflexão sobre Deus e à vida espiritual não é impotência e fuga. Foi esse o poder que sustentou a Igreja Ortodoxa na Rússia e a Igreja Católica de rito bizantino na Ucrânia. É o poder que sustenta as pequenas Igrejas do Oriente Médio. É esse o poder que sustenta a fraqueza dos eremitas e das testemunhas. Volta a profecia de Bonhoeffer, a luz silenciosa de Nazaré intuída por Charles de Foucauld e a caridade despedaçada dos "santos (que) vão para o inferno", de G. Cesbron. É a atitude que Dianich indica como mansidão.

Para levar tudo isso ao coração dos crentes, dos fiéis, é necessário retomar o estilo sinodal. Até na Igreja, assim como no mundo, ganham força os sistemas de medo e, portanto, de violências, de frustrações desiludidas, de excessos de rancor. A esperança hoje, além de animar, também pode cuidar e medicar. E, além disso, tudo isso já não estava contido na Gaudium et Spes do Vaticano II?

Luigi Sartori sempre insistiu na conciliação dos diferentes, e, de M. de Certeau, recebemos a pontual urgência de reconhecer o estrangeiro. É tolice excluir a diferença para nos fixarmos em uma uniformização bloqueadora. Quem exclui a união das diferenças também exclui a si mesmo. O perene pentecostes do Espírito é o desejo de Deus (Gn 1, 2) e o desejo da Esposa (Ap 22, 17) de uma comunhão universal da qual devemos ser o sacramento.

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