segunda-feira, 6 de junho de 2011

O encontro da realidade da fé e da razão permite que o ser humano encontre a si mesmo


O diálogo entre crentes e não crentes, promovido pelo Pontifício Conselho para a Cultura, é uma iniciativa que parte da idéia de que o Deus conhecido na fé é sempre um Deus misterioso, e seus adoradores não se sentem de fato longe daqueles que procuram realmente um Deus desconhecido. www.atriumgentium.org é o endereço web que se encontra em construção, tal como o projeto ao qual serve. O papa Bento XVI sugeriu em 21 de dezembro de 2009 a necessidade de “criar um espaço de diálogo com aqueles para quem a religião é algo estranho, para quem Deus é desconhecido e que, apesar disso, não gostariam de estar simplesmente sem ele, mas sentindo-o pelo menos como desconhecido”.

A EXPERIÊNCIA DE TAIZÉ
Desconhecendo a convocação, minha esposa Virgínia, minha filha Ana e eu aproveitamos a passagem por Paris para participar de um encontro de Taizé, anunciado em Notre-Dame, esperando uma experiência de diálogo entre membros de diferentes Igrejas cristãs na oração.

Caminhar a Notre-Dame de Paris para um argentino é uma mistura de turismo e devoção (...). À minha direita, um homem que cruza a porta, ajoelha-se e beija o chão, não deixa lugar a dúvidas sobre o sentido de nossa visita. No entanto, deve-se evitar o movimento de turistas no circuito perfeitamente estabelecido pelas galerias laterais, para consolidar a opção.

Uma vez na nave principal, sua altura, a multiforme luminosidade de seus vitrais e uma estrutura sustentada por colunas que se elevam, parecendo grupos de mãos que se unem em oração, suaviza os sentidos, aquieta as paixões e, no princípio, alerta a razão. Um coro perfeitamente colocado depois do altar, presente (identificável até no vestir) mas não protagonista, indica-nos que a missa vai começar. Na procissão em primeiro lugar vai a Palavra, as luzes, o turíbulo, os celebrantes e acólitos. Um grupo de monges, jovens em sua maioria, cujo hábito se assemelha ao dos cistercienses, se coloca à direita do altar. Irmão Alois, prior de Taizé, os acompanha, sucessor do venerado fundador, tristemente assassinado como tantos atores da paz, Irmão Roger. O Evangelho é lido em francês e inglês e depois uns versículos escolhidos são reiterados uma e outra vez em diferentes idiomas, o espanhol entre eles. O sermão a cargo do cardeal italiano Gianfranco Ravasi é em francês, a consagração e a comunhão vão acompanhadas pela linguagem universal dos gestos cuidadosamente cumpridos. No momento da bênção, é como se o tempo tivesse parado, não foi muito nem pouco, simplesmente estivemos dentro de nós mesmos, fora do tempo.

O PRESENTE ESPERADO
Depois da bênção, retira-se a maioria, nós e poucos curiosos ficamos no fundo, porque parece que poderia acontecer algo… um grupo de jovens de camiseta e jeans retira todas as cadeiras da nave principal, estende tapetes, coloca em ambos os lados do altar um ícone do Crucificado e outro de Pedro e Paulo. Sobre o altar uma tela suspensa, de onde este segundo ícone presidirá a celebração.

Pequenas velas acesas no altar, nas grades laterais e no chão. Os monges se ajoelham num retângulo diante do altar, sob o cruzeiro. Há uns “banquinhos” para facilitar os tempos prolongados ajoelhados (...).

Alguém nos convida a ir para frente, em três oportunidades, até que ficamos na primeira fila junto a eles; abrem-se as portas e um bom número de jovens ocupa toda a nave central e outros as laterais. Há entre eles religiosas católicas e clérigos de diferentes confissões cristãs, dois cardeais, quatro bispos e vários monsenhores.

De algum modo fica em nossas mãos uma xerocópia prolixa com os cantos e leituras do dia e uma vela fina. O cardeal Gianfranco Ravasi nos dá formalmente as boas-vindas.

Vão-se acendendo as luzes e começamos a cantar breves antífonas em diferentes idiomas que se repetem uma e outra vez num clima de recolhimento (“The Kingdom of God”, “Laudate omnes gentes”, “Psaume 130”). Proclama-se lenta e claramente a Palavra (Mt 5, 1-10), fazemo-nos eco dela com cantos breves, muitas vezes reiterados, entre a leitura em diferentes idiomas do versículo: “Bem aventurados os que procuram a paz, pois eles serão chamados filhos de Deus”. Canta-se “Nada te perturbe”, e novamente há um silêncio para a viagem interior.

O PRESENTE INESPERADO
Logo vem: a oração de petição e de intercessão, os cantos, a meditação de Irmão Alois, o canto do Magnificat e a surpresa de ver na tela gigante o papa Bento XVI. Transmite seu convite para abrir na Igreja vários pátios dos gentios, uma imagem que evoca o espaço aberto na esplanada junto ao templo de Jerusalém, que permitia a todos os que não compartilhavam a fé de Israel aproximar-se do templo e interrogar-se sobre a religião.

Bento XVI destaca que um motivo fundamental deste átrio é promover a fraternidade, além das convicções, sem negar as diferenças. Ao terminar, os irmãos giram sobre suas costas e o ícone do Crucificado é reclinado no centro, e enquanto os cantos acompanham, cada um pode aproximar-se e beijá-lo; muitos fazem isso de joelhos. Quando saímos já é de noite, passaram quase duas horas sem que nos déssemos conta (...).

Já é de noite e a brisa nos refresca, enquanto nossos olhos se assombram com o que vêem… lá fora há tantos como dentro, ou talvez mais. Embora tudo esteja conectado: na praça diante da catedral duas telas gigantes apresentam, com a dinâmica de um show televisivo, diferentes pessoas que explicam suas crenças e convidam os grupos de diálogo que estiveram celebrando entre crentes e não crentes em pequenas carpas laterais, enquanto nós rezávamos por eles. Alguém nos oferece um sorriso e um chá quente. Com o calor de nossa Igreja no coração e no estômago, fomos para casa.

O pátio dos gentios começou a caminhar na direção do Reino. Houve uma apresentação prévia em Bolonha. Mas a primeira sessão propriamente dita, a inaugural, foi celebrada em Paris. Foi escolhida pelo cardeal Ravasi, devido ao simbolismo da Cidade das Luzes. A Ilustração, a laicidade positiva, a liberdade, a independência entre Igreja e Estado. As diferentes sessões foram realizadas em lugares significativos; a sede da UNESCO, a Universidade de Sorbonne, a catedral de Notre-Dame.

As palavras do Papa continuam repercutindo. “No coração da Cidade das Luzes, diante desta magnífica obra-prima da cultura religiosa francesa, Notre-Dame de Paris, abre-se um grande átrio para dar um novo impulso ao encontro respeitoso e amistoso entre pessoas de convicções diferentes. Vocês, jovens, crentes e não crentes, tal como na vida cotidiana, nesta noite querem estar juntos para reunirem-se e falarem das grandes interrogações da existência humana (…) Estou profundamente convencido de que o encontro entre a realidade da fé e da razão permite que o ser humano encontre a si mesmo”.

- Reproduzido via Amai-vos. Grifos nossos.

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