sexta-feira, 3 de junho de 2011

"Duvido, logo creio"

Ilustração: Fernando Degrossi

"Em que você acredita?". Para responder à pergunta de um interlocutor virtual, Antonio Thellung transcreveu as páginas do seu itinerário existencial nos capítulos de seu livro "Una saldissima fede incerta" [Uma inabalável fé incerta] (Edizioni Paoline, 316 páginas). A reportagem é da revista italiana Adista Notizie, nº. 41, 28-05-2011, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A pergunta o persegue por toda a sua vida, e, durante toda a sua vida, Thellung, buscando uma resposta simples a uma pergunta ousada, libertou do arquivo dos seus pensamentos "uma reação em cadeia, que, a partir de pequenas explosões iniciais, se assemelha cada vez mais a fogos de artifício fantasmagóricos".

Assim como os ofícios mais disparatados da sua vida (piloto de corrida, pintor, escritor, cuidador de doentes terminais, fundador de comunidades). Assim como seus pensamentos cotidianos, suas perguntas, suas certezas e suas incertezas, as inquietações e as aparentes seguranças: justamente, fogos de artifício.

Nas páginas deste livro, Thellung vasculha o seu percurso, os atritos com o seu credo e a sua fé, enquanto vai se confrontando com todo o sistema da teologia tradicional que tem Deus por "objeto", a sua encarnação em Jesus e a sua "presença" em toda criatura humana.

As animadas páginas de Thellung, em certas passagens muito carregadas de argumentações e de deduções não completamente e nem sempre consequentes, no entanto, têm o poder de animar profissões de fé "inertes" e recitações diárias do Credo, além de provocar úteis debates.

Eis a entrevista.

Um livro sobre a fé pode ter um interesse concreto na atualidade?
Acredito que seja urgente se interrogar sobre em que se pode realmente crer hoje, porque as muito abundantes violências cotidianas dependem, pelo menos em grande parte, da persistência de muitas, muitas imagens divinas violentas, que dividem ao invés de pacificar. Por isso, é muito importante revisitar as imagens e os conceitos divinos (ou os pontos de referências) ainda propostos.

Mas já não se falou sobre isso, e desde sempre?
Talvez. Mas acredito que cada mundo é obrigado a prestar contas dos resultados de sua própria busca. Como dado inicial, por exemplo, parece-me que habitualmente se usam os termos "crer" e "ter fé" como sinônimos, embora haja entre eles uma diferença substancial: fé é sentir-se irresistivelmente atraído por alguma coisa, enquanto crer pertence à esfera racional. Os dois aspectos podem coincidir, mas também podem entrar em contradição. Ou seja, pode-se crer sem ter fé, ou ter fé com muitas dúvidas sobre em que acreditar. Por exemplo, dogmatismos e anátemas fazem parte do crer (ou do não crer), enquanto, geralmente, tem muito pouca influência sobre o lado da fé. Levar isso em conta pode ajudar a entender melhor o porquê de tantas contradições presentes na história do cristianismo.

Para sair do genérico, quais tipos de imagem divina lhe parecem ser propostas hoje?
Deus existe, Deus não existe: ouvimos isso ser repetido frequentemente de vários modos, porém, sem a preocupação de especificar seus contornos. Vai-se das imagens mais indefinidas até aquelas mais antropomórficas. As diferenças convivem também entre os frequentadores habituais das paróquias, e basta fazer algumas perguntas para perceber isso. Por isso, me parece ser necessário identificar alguns pontos específicos.

Acima de tudo, penso eu, se Deus existe, o primeiro a saber disso deve ser ele. Por isso, a primeira característica divina me parece ser a consciência do seu próprio ser. O que significa que a diferença entre um crente e um ateu é entre crer ou não crer que, além das nossas consciências limitadas e relativas, existe também uma consciência em nível absoluto (transcendente). E, depois, se levarmos a sério que Deus é tudo em todos (como diz São Paulo), então me parece que a única relação imaginável é de total imersão nele, no seu todo.

E como seriam as relações entre os seres humanos e esse Deus no seu todo?
Em um sentido conceitual, eu diria que seriam equivalentes às entre absoluto e relativo, que são contrários mas não contrapostos. Ou melhor, são contrários e complementares ao mesmo tempo, porque não podem ser separados. A dispersão dos fragmentos, em suma, deve ser sempre compreendida na unidade do grande todo.

Para dar um exemplo atual, imaginemos um grande computador formado pela unidade central e por inumeráveis operadores terminais, que atuam todos com os mesmos softwares. No entanto, enquanto cada terminal vive e trabalha no seu próprio individualismo, a unidade central os conhece pessoalmente a todos, reelaborando seus dados na memória do todo. O que dizer, em essência, que a realidade do todo tem duas interfaces diferentes e complementares: de um lado, a humana, fracionada, contraditória, temporária (e, portanto, instável), e, de outro, a divina, apenas vagamente dedutível por nós, mas expressão permanente de toda a realidade no seu todo. Penso que os seres humanos devem ser considerados como porções temporárias de Deus que, de pontos de vista limitados, vivem todas as experiências possíveis, bonitas ou feias que sejam. Enquanto, do seu ponto de vista, Deus diz: "Sou sempre eu". Nós não percebemos isso porque temos viseiras, mas os místicos conseguem intuir isso e viver em conformidade.

Mas quais as consequências a julgar pela abundância de conflitos em nível global?
Não nos esqueçamos de que também há muitos acontecimentos positivos e muitas pessoas capazes de sair do seu egocentrismo. No entanto, tendencialmente, permanece, infelizmente, uma mentalidade dualista que não leva em conta a existência de um único grande todo unitário. Uma mentalidade que tende a dividir entre bem e mal, e, portanto, entre bons e maus. Mas, ao contrário, a divisão é entre bem absoluto e bem relativo, que pode ser contraditório e ambíguo o quanto se quiser, mas sempre pertence à única realidade. A ideia de que o bem deve lutar contra o mal é um equívoco colossal, que produziu graves danos. Quanto mal foi feito em nome do bem? As piores atrocidades da história foram cometidas com boa fé. Em um cristianismo do todo, o mal não deve ser derrotado, humilhado, destruído, morto, mas sim transformado. É difícil? Talvez, mas é a única saída possível.

E a Igreja, que parte tem em tudo isso?
Não se pode ir sozinho rumo à integração com o todo. Por isso, a comunidade eclesial é indispensável. A Igreja de Jesus Cristo é um barco sobre o qual navegamos juntos, ortodoxos e hereges, prepotentes e mansos, perseguidos e perseguidores, trigo e joio. É comunhão dos consensos e dos desacordos, da ortodoxia e das heresias. O importante, acima de tudo, é celebrar juntos. Onde se encontra um outro ambiente que oferece uma liturgia (a missa) durante a qual, no momento da comunhão, pessoas muito diferentes entre si vão fazer todas juntas algo que nenhuma delas entende? Pessoalmente, acho que é um impulso emblemático para a integração com o divino. Além disso, acrescento que um cristianismo do todo, a meu ver, pode recuperar todos os mais importantes conceitos teológicos tradicionais, redescobrindo o seu significado de modo compreensível hoje.

Mas o senhor realmente acredita nas hipóteses que descreveu neste livro?
Sou o primeiro a dizer que as descrições são discutíveis e também provavelmente contestáveis. Mas acho que os significados são muito convincentes.

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