quarta-feira, 6 de abril de 2011

O segredo é ver



Um dos heróis do Dalai Lama, como ele mesmo costuma contar, é um sujeito de Belfast que, em menino, estava um dia voltando da escola para casa quando levou um tiro de um soldado inglês que o deixou cego para sempre. Ao sair do hospital e voltar para casa, a mãe de Richard Moore puxou-o no canto para lhe dizer duas coisas. Primeiro, que ele não voltaria a enxergar. E, segundo, que ele não deveria jamais odiar os ingleses.

Em uma das suas visitas a Belfast, o Dalai Lama conheceu Richard e soube que ele tinha acabado de fundar uma obra filantrópica para crianças vítimas da violência e do conflito. Ele era uma testemunha viva daquilo em que os mestres da não-violência de todas as tradições tanto insistem: que é possível, por mais impossível que pareça, transcender as reações instintivas de ódio e vingança que vêm à tona e em geral nos subjugam depois de termos sofrido nas mãos dos outros.

A maneira mais importante de conseguir isso que parece impossível é ver. Uma vez visto e experimentado algo, por mais fora do alcance que pareça, penetra a esfera das possibilidades. Para ver desse modo, precisamos fechar os olhos às imagens ilusórias que, na realidade, são indícios da cegueira espiritual.

Quando, no Evangelho, Jesus cura o cego - o cego de nascença (Jo 9, 1-41) ou o mendigo cego Bartimeu (Mc 10, 46-52) - não age no plano físico somente. Com a visão restaurada, o Homem passa a ver com uma clareza e nitidez que o enche da coragem e capacidade de decisão que só a visão da realidade é capaz de despertar em nós. Em ambos os casos, os curados o seguem.

A meditação é, simultaneamente, um caminho de fé e de visão. À medida que a fé se aprofunda, a visão fica mais clara; e, quando enxergamos com suficiente nitidez, já mudamos de rumo. O instante preciso da mudança - como o da ressurreição dos mortos - esconde-se sempre no momento em que o grau de visão atinge seu ponto crítico. Não conseguimos jamais enxergar a Deus como um objeto, mas só participando no modo como Ele nos vê, que – como nosso ego só admite com relutância – não é um ponto final, mas apenas parte de um quadro infinitamente maior que nós, de nossa parte, podemos apenas imaginar.


- Laurence Freeman, OSB
Publicado originalmente no site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil. Grifos nossos.

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