quinta-feira, 7 de abril de 2011

Jesus de Nazaré: um fascínio duradouro

Foto: Hien

(...) Nesse tempo de pluralismo religioso, surge o desafio de destacar Jesus como “figura de diálogo”, cuja mensagem evangélica não toca apenas núcleos cristãos privilegiados, mas a todos os povos, religiões e culturas, no profundo respeito às diferenças que são sagradas e irrevogáveis. Os cristãos não precisam se envergonhar de anunciar essa mensagem de vida, mas o devem fazer não por um “mandato”, mas pelo desejo irremovível de compartilhar com os outros o amor profundo por Jesus e seu Reino: um amor que tomou conta do coração e trasbordou para todo canto. É esse Jesus que encantou Rãmakrishna[1], Gandhi, Dalai Lama[2], Tich Nhât Hanh e tantos outros. E encantou pelo fato de trazer à tona uma “fragrância” de amor e espiritualidade que não se prende a crenças particulares, mas que desvela qualidades especiais, que estão presentes e vivas em nossa história humana. Com sublinhou com acerto Felix Wilfred, “Jesus é alguém tão fascinantemente humano que não se pode deixar de amá-lo. Ele pertence a toda a humanidade. Ele não é monopólio de algum grupo, comunidade e religião. Nele aprendemos a gramática do que é ser humano. Sua vida e seus ensinamentos são também uma janela para o incompreensível mistério divino”.

Infelizmente, ao longo da história, nem sempre o cristianismo soube anunciar esse Jesus portador de vida. Ficou mais preso à obsessão de explicitar os “mecanismos” que estruturam o seu ser, em vez de traduzir aos povos o seu significado e mistério. A experiência missionária na Ásia, ao longo de quinhentos anos, é um exemplo dessa dificuldade de traduzir um rosto de Jesus que cativa e hospeda os outros. Todo o trabalho realizado não conseguiu falar senão a 2,5% dos cristãos na Ásia. Para Felix Wilfred, “se a obra missionária não produziu os resultados esperados, é porque, excluindo algumas exceções, a maioria dos missionários apresentou Jesus a partir de outros pressupostos e o relacionamento com povos de outras crenças foi negativo e apologético”. Hoje, busca-se recuperar a “experiência de Jesus”, tão bem delineada nos escritos do Segundo Testamento. Privilegia-se os métodos narrativos, e Jesus ganha novos delineamentos: é o mestre de sabedoria, o libertador, o guia espiritual, o ser iluminado, o amigo compassivo, o peregrino e o dançarino.

(...) Jesus traz consigo a afirmação da “vulnerabilidade de Deus e da eminente dignidade do corpo humano” (C.Geffré). Como assinalou Christian Duquoc[3], em texto clássico sobre o tema, ao se revelar em Jesus, Deus não absolutizou uma dada particularidade, mas quis sublinhar que nenhuma particularidade histórica pode pretender-se absoluta, e, em virtude mesmo desta relatividade, Deus também pode ser encontrado nas inusitadas malhas de nossa história real.

Os cristãos encontram em Jesus o caminho de acesso ao mistério maior. Jesus é percebido como alguém que envia ao mistério de Deus. Alguém em cujas pegadas os cristãos encontram orientação da vida para Deus (Joseph Moingt). Para os cristãos, ele é vivenciado como constitutivo da salvação, por ser o mediador da vida no Espírito. Esta é uma experiência existencial e de caráter confessante, partilhada pelos cristãos em comunidade, mas não pode ser entendida em sendo objetivante, de validez universal. Em verdade, Jesus não encerra a história das religiões nem o movimento revelador de Deus. A história continua sendo palco da incessante comunicação do mistério gratuito de Deus, por caminhos que são misteriosos. Como indica Geffré, “a pluralidade dos caminhos que levam a Deus continua sendo um mistério que nos escapa”.

A percepção cristã da singularidade de Jesus não exime o ousado exercício de buscar captar a presença da graça multiforme de Deus em toda a história. E não apenas na história das religiões. Segundo Joseph O’Leary, “a tendência de afirmar que ´já temos a plenitude da verdade em Cristo, de modo que não se requer nenhum diálogo com religiões estranhas é, de fato, não cristã. A Bíblia nos mostra como o encontro com os outros (...) amplia a compreensão de Deus e derruba prévias estreitezas”. Há que resgatar hoje, e com intensidade, o traço da hospitalidade como algo essencial que resulta do encontro com Jesus. A experiência do mistério de Jesus é radicalmente desinstaladora: provoca o exercício essencial de ruptura com os círculos fechados e de abertura a novos horizontes relacionais.

- Faustino Teixeira
Reproduzido via Amai-vos. Grifos nossos.

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[1] Rãmakrishna Paramahamsa (1836-1886): foi um dos mais importantes líderes religiosos hindus da Índia, referenciado por milhões de hindus e não-hindus como o mensageiro de Deus. (Nota da IHU On-Line)

[2] Dalai Lama: líder político do Tibete. Dalai significa “Oceano” em mongol, e “Lama” é a palavra tibetana para mestre, guru, e várias vezes referido por “Oceano de Sabedoria”, um título dado pelo regime mongoliano. (Nota da IHU On-Line)

[3] Christian Duquoc: é teólogo dominicano francês, professor emérito da Faculdade de Teologia na Universidade Católica de Lion, França, diretor da revista Luz e vida e membro da direção da revista Concilium. É conhecido, sobretudo, por seus estudos sobre cristologia. De suas obras, confira Cristologia: o Messias (São Paulo: Loyola, 1980); Cristologia: o homem Jesus (São Paulo: Loyola, 2002); Cristianismo, memória para o futuro (São Paulo: Loyola, 2005); A teologia no exílio (Petrópolis: Vozes, 2006). Ele participou da edição 197, de 25 de setembro de 2006, intitulada A política em tempos de niilismo ético. A entrevista “Uma discussão sobre a teologia na contemporaneidade” está disponível no site da IHU On-Line.

2 comentários:

Unknown disse...

Que texto mais sensível, amável, pois nos leva a pensar em um Cristo Jesus tão belo e humano que dá prazer de segui-lo e ama-lo! e saber que ele é " o mestre de sabedoria, o libertador, o guia espiritual, o ser iluminado, o amigo compassivo, o peregrino e o dançarino." isso é poético é a beleza de viver! e muita mias coisa pra realçar no texto! Me alegro muito em saber que tem pessoas tão humanas e sensível como Faustino Teixeira pra escrever e não guarda aquilo que ele sente mais nos partilhar o seu eu interior.
A unica coisa que posso dizer agora é obrigado pelo amor e humanismo em Jesus.

Equipe Diversidade Católica disse...

Fazemos das suas palavras, nossas, Tiago. Há mesmo que agradecer... E obrigada a você por suas palavras e por sua presença! Um grande abraço! :-)

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