segunda-feira, 14 de março de 2011

Sementes de chumbo e de vento



No dia seguinte às Cinzas, a liturgia, através do Evangelho, nos coloca de frente com a viagem de Jesus para o seu Mistério Pascal e, diretamente, dirige-se a cada um de nós: "Se alguém quiser me seguir..." (Lc 9, 23). Todo o tempo quaresmal é colocado sob o símbolo do caminho, da marcha no deserto, e o Tríduo Pascal não será outra coisa senão o memorial de uma passagem, que comporta sempre o partir. O Senhor fala de si mesmo e de seu mistério, que vai se realizando na liberdade, mas, falando de si mesmo, convida o seu discípulo a escolher estar com Ele – mais precisamente, a caminhar atrás dEle – enquanto Ele conduz o trem da vida e da história.

Este modo de conceber a vida e o discipulado comporta uma clareza profunda sobre a viagem que já começamos e que que exige, sempre de novo, ser escolhida, para poder continuá-la. Como em cada viagem, o ponto de partida deve ser claro, como do mesmo modo, deve ser clara a meta, e ainda, é necessário escolher bem o meio de transporte. E sobre este último ponto, o Senhor não deixa dúvidas: "Tome a sua cruz cada dia" e, quase como se fosse o chefe do trem que dá o sinal
de partida, acrescenta: "e me siga" (Lc 9, 23).

O Deuteronômio nos faz sentir, com força, o desejo que Deus tem por nós e sobre nós: "Escolhe, pois, a vida" (Dt 30,19). É à vida que o Senhor nos convida, na sua forma mais plena e perfeita, que é, justamente, a ressurreição, mas, na sua honestidade, o Senhor não cala sobre o preço que a verdadeira vida comporta. Ao Senhor interessa a nossa "vantagem" (Lc 9,25), mas não nos engana, como faria um agente de publicidade que faria um elenco de todas as vantagens ao comprar um produto, sem deixar espaço para as implicâncias de tê-lo em casa. O Senhor, ao contrário, declara imediatamente o alto preço do seguimento, e é justamente à partir dele que podemos imaginar o seu valor incalculável. A cruz é este meio que nos parece carregarmos sobre nós, e ao contrário, é ela que nos carrega sobre si, como a madeira e como a arca de Noé, permitindo-nos zarpar confiantes na direção da vida. O Senhor não nos fala de "cruzes" que a vida impõe – doenças, deficiências físicas, situações difíceis, relações dolorosas, lutos... – mas nos convida a ter coragem de abraçar "a Cruz" que consiste no saber renunciar a nós mesmos, ao nosso individualismo, com todo o seu cortejo de egoísmos, indiferenças, narcisismos e fechamento à presença e às necessidades de nossos irmãos. Se assumimos a cruz de Jesus como parâmetro e meio de transporte da nossa vida, então ela se torna o cruzamento do nosso encontro com Deus, com os outros e com a verdade de nós mesmos, naquela exigência sobre a qual retorna fortemente o texto do Deuteronômio: "Amando o Senhor […] obedecendo […] permanecendo unido a Ele" (Dt 30,20). Como amava repetir e repetir-se, o bispo Agostinho:
Amor meus, pondus meus - "Meu Amor, peso meu". O meu "peso", o meu valor diante de Deus, é a medida do amor que a minha vida é capaz de expressar.

Como diz Nathalie Nabert: "Caminhar com Cristo é uma aventura de despojamento, aquilo que se deixa ao longo da estrada, alivia e fortifica, ao mesmo tempo. Parte-se com sementes de chumbo e retorna-se com sementes de vento, tendo abandonado o supérfluo, como o centralizar-se em si mesmo, a cegueira do coração e as supostas certezas"*.
[Grifo nosso]

O Senhor Jesus insiste, amorosa e repetidamente, com uma nota temporal, "cada dia", porque as grandes e verdadeiras batalhas da vida não se vencem de uma vez para sempre. Porque a fragilidade, a infidelidade, a tentação de parar, fazem parte integrante do nosso êxodo, é preciso, cada manhã, retomar sempre com renovada paixão.


- Semeraro, M., La messa quotidiana, marzo, Bologna 2011, 96-98.

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*N. NABERT, «Le compagnon de Carême», in Magnificat Hors-série 23(2010), 6.

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