quarta-feira, 16 de março de 2011

Que mané fraternidade?!


Arte: Grafter

Flanando pelos meus blogs preferidos, dei hoje com um post do Tony Goes intitulado "Que mané fraternidade", manifestando-se contra as incongruências desta Igreja tão cheia de falhas que prega a fraternidade mas, na prática, mostra-se por vezes tão intolerante. Na mesma linha, dei também com a divulgação de que o papa Bento XVI teria mais uma vez se contraposto ao casamento gay, tanto no blog Entre Nós quanto no Basta Homofobia.

Diante da irritação e da revolta compreensivelmente geradas pela notícia, tal como foi divulgada, precisei me manifestar - e achei por bem reproduzir, aqui, o comentário que postei nos três blogs citados.

Aliás, acho também necessário chamar atenção para um detalhe: o trecho citado da carta do papa não expressa um posicionamento direto contra o casamento gay, apenas menciona o casamento entre homem e mulher. Não que eu queira tapar com a peneira o fato de que a atual postura oficial do Vaticano é que os gays deveriam adotar a continência, etc. Mas é preciso também tomar muito cuidado com a forma como as notícias vão sendo divulgadas e reproduzidas, pois muitas vezes essa forma serve apenas para acirrar os ânimos, alimentar ódios e intolerâncias de parte a parte e nos afastar cada vez mais de um diálogo verdadeiramente construtivo e conducente a um mundo efetivamente mais tolerante e fraterno, independente de posicionamentos políticos ou crenças religiosas.

E você, o que acha? :-)

Amigos,

Faço parte de um grupo leigo de gays católicos e me sinto compelida, aqui, a dar meu testemunho.

Entendo perfeitamente e faço eco à dor e à raiva que são quase inevitáveis para nós, como gays, diante de certos posicionamentos do Magistério. E acho fundamental que certas confusões e misturas indevidas - como quando crenças religiosas se imiscuem no debate político e influenciam questões de cidadania em países em que o Estado é laico - sejam esclarecidas e desfeitas. Daí, aliás, a importância do tema proposto para a Parada Gay de SP este ano.

No entanto, e justamente porque acredito que confusões e misturas só servem para obscurecer a discussão, obstacularizar o diálogo e dificultar a busca de soluções e transformações necessárias, preciso salientar a importância de se discernir o que é o Magistério e o que é a Igreja.

A Igreja é uma multidão de gente. A Igreja sou tb eu e meus amigos. É um corpo gigante e mtas vezes pesado, e, mais importante que tudo, humano. E, como tal, está sujeito às falhas humanas. Por isso, tantas vezes ao longo da sua história como instituição a Igreja se afastou do ideal de amor e tolerância que é o cerne da mensagem do Deus que ela prega, ou deveria pregar, para tristemente perder-se em questões paralelas e, mtas vezes, jogos de poder que nada tinham nem têm a ver com sua verdadeira vocação.

Porém, nem tudo são trevas nessa história. Há tb na Igreja - e me refiro, repito, não só à cúpula - mtas pessoas inspiradas a fazer o bem e a lutar por um mundo verdadeiramente melhor. Mesmo o próprio magistério da Igreja não é um corpo uno e uníssono. Mesmo no magistério há vozes dissonantes, dissensões, debates e diálogo.

Assim a Igreja, ao longo de 2 mil anos de história, foi se transformando. Lentamente, penosamente; e, quase sempre, como em toda instituição humana, a partir do crescente clamor das bases.

Somos católicos porque a nossa espiritualidade só faz sentido assim. E somos membros dessa Igreja, apesar do que diz esta ou aquela pessoa, seja ela da cúpula da instituição ou não. Como seus membros, defendemos nosso direito inalienável de pertencer a ela, que ninguém pode tirar, e nos dedicamos a fazer a nossa parte (por menor que seja) para mudar aquilo que sentimos que deve ser mudado.

Principalmente, trabalhamos na acolhida daqueles que sofrem por se crerem excluídos de um corpo do qual são membros, e, pior, sem direito ao amor desse Pai em que cremos e que nos ama incondicionalmente - a todos, sem distinção.

Esperamos, assim, contribuir para que a história caminhe.

Caso queiram dar continuidade a essa conversa, façam uma visita ao nosso site e blog. Temos 3 posts que talvez interessem particularmente a essa discussão: "Ser gay e ser católico", "Nosso testemunho" e, provavelmente o melhor, "Ficar ou sair da Igreja?", de um jesuíta americano.

Um grande e fraterno abraço,

Cris


* * *

Atualização de 22/03/2011:
Bom, após um comentário no blog do Tony Goes elogiando a nossa paciência, mas expondo seu desânimo e sua descrença qto à possibilidade de transformações por parte da Igreja, acrescentei o seguinte:

Querido Paulo,

Foi sempre assim que a Igreja, como qualquer grande instituição humana, mudou: de baixo para cima. Tb acho que as mudanças são prementes e imprescindíveis. Espero, de coração, que a Igreja consiga se reinventar mais uma vez, apesar das tensões entre forças contrárias em seu seio.

De nossa parte, procuramos ser coerentes com o que acreditamos e fazer aquilo que sentimos ser o certo, sobretudo para minorar o sofrimento de tantos que se creem obrigados a escolher entre ser gay ou ser católico. Ter de escolher qualquer um dos dois é uma violência inominável.

Não creio que se trate tanto de paciência, mas de perseverança (que, não por acaso, é um dos nossos valores centrais). Essa perseverança, porém, não é gratuita. O que nos move é o fato de que, por muitos motivos, para nós, a identidade religiosa, como a orientação sexual, não é uma escolha. :-)

A esse respeito, convido-o a ler nosso post de hoje: Permanecer e transgredir.

Um grande abraço! :-)

2 comentários:

LiCastanheira disse...

Bela resposta, Cris.

Cris Serra disse...

Obrigada, LiCastanheira... :-) O texto foi aprovado pelos moderadores dos 3 blogs, mas ninguém teceu nenhum comentário a respeito. Enfim... rs Abs!

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