domingo, 20 de fevereiro de 2011

A propósito do Pai Nosso (3)


Damos hoje continuidade à proposta iniciada no domingo retrasado de publicar, em partes*, a reflexão de Simone Weil sobre a oração do Pai Nosso. Para meditar, orar e, esperamos, aprofundar a fé. Um bom domingo a todos!

O pão nosso de cada dia, aquele que é sobrenatural, nos dai hoje
O Cristo é nosso pão. Nós não podemos pedir pela sua presença a não ser para este instante. Pois ele está sempre lá, à porta de nossa alma, e querendo entrar, mas ele não viola o nosso consentimento. Se consentirmos que entre, ele entra; desde que não o queiramos mais, ele parte. Não podemos vincular nossa vontade de hoje, estendendo-a para amanhã, fazer hoje um pacto com ele para que amanhã esteja em nós apesar de nós mesmos. Nosso consentimento com relação à sua presença é o mesmo que a sua presença. O consentimento é um ato, e só pode ser atual. Ele não nos concedeu uma vontade que possa se aplicar ao futuro. Tudo aquilo que não é eficaz em nossa vontade é imaginário. A parte eficaz da vontade é eficaz de forma imediata, sua eficácia não é diferente dela própria. A parte eficaz da vontade não é o esforço que se dirige para o futuro. É o consentimento, o sim do casamento. Um "sim" pronunciado no instante presente para o instante presente, mas pronunciado como uma palavra eterna, pois é o consentimento à união de Cristo com a parte eterna de nossa alma. Precisamos de pão. Somos seres que continuamente retiramos nossa energia do ambiente, pois à medida que a recebemos, a despendemos em nossos esforços. Se nossa energia não é quotidianamente renovada, ficamos sem força e incapazes de movimento. Para além do alimento propriamente dito, no sentido literal do termo, todos os estimulantes são para nós fontes de energia. O dinheiro, as promoções, a consideração, as condecorações, a celebridade, o poder, os seres amados, tudo que nos dá força para agir é equivalente ao pão. Se um destes apegos penetra muito profundamente em nós, até as raízes vitais de nossa existência carnal, a privação pode nos destruir e até mesmo nos fazer morrer. Chamamos isto de morrer de desgosto (chagrin). É como morrer de fome. Todos estes objetos de apego, constituem, junto com o alimento propriamente dito, o pão daqui de baixo. Depende inteiramente das circunstâncias o concedê-lo ou recusá-lo a nós. Não devemos questionar nada com relação às circunstâncias, a não ser admitir que estão em conformidade com a vontade de Deus. Não devemos pedir pelo pão daqui de baixo. Há uma energia transcendente, cuja fonte está no céu, que flui em nossa direção desde que a desejemos. É verdadeiramente uma energia, ela executa ações por intermédio de nossa alma e de nosso corpo. Nós devemos pedir este alimento. Quando o pedimos e pelo próprio fato de pedi-lo, sabemos que Deus quer dá-lo a nós. Não devemos suportar um só dia sem ele. Pois quando somente as energias terrestres, submetidas às necessidades daqui de baixo alimentam nossos atos, só podemos fazer o mal. "Deus viu que o mal-feito dos homens se multiplicava sobre a terra, e que o fruto do pensamento de seu coração era persistente e inteiramente mau". A necessidade que nos constrange ao mal governa tudo em nós, salvo a energia do alto no momento que entra em nós. Mas não podemos armazená-la.

*Parte 1: 6 de fevereiro; parte 2: 13 de fevereiro

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Texto original:

WEIL, Simone. À propos du "Nôtre Père", In Attente de Dieu. Paris: Flamarion, 1996. Tradução de Elisa Cintra.

Tradução publicada originalmente no site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil

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