quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

"O amor, como a água, sempre tende a descer até onde estão a carência, a marginalização e o sofrimento"

Ilustração: Meghan Voss

Para o teólogo espanhol Andrés Torres Queiruga, ao olharmos Jesus, reconhecemos o melhor de nós mesmos enquanto criaturas criadas, sustentadas e habitadas por Deus. Por Graziela Wolfart e Cleusa Andreatta, originalmente publicado no IHU Online. Os grifos são nossos.

Desafiado a definir quem foi Jesus, o teólogo espanhol Andrés Torres Queiruga responde que foi “aquele que conseguiu a culminação insuperável da acolhida de Deus na história humana (...) e que conseguiu revelar e viver para Deus como amor infinito e perdão incondicional, preocupado apenas com nosso bem e nossa salvação, convocando-nos a colaborar com Ele para que isto seja possível para todos”. (...) Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU On-Line, ele ainda fala sobre as transformações que a Teologia vem sofrendo em nossa sociedade. E afirma: “É uma teologia que progrediu e fez muitas mudanças, mas que, no entanto, não tem tocado nas questões de fundo. Foram feitas reformas, mas, em questões fundamentais, é preciso uma ‘mudança de paradigma’”.

Andrés Torres Queiruga é professor da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha. É licenciado em Filosofia e Teologia pela Universidade de Comillas, Espanha, doutor em Filosofia pela Universidade de Santiago de Compostela, Espanha, e doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Itália. Entre suas obras publicadas em português, citamos "Creio em Deus Pai. O Deus de Jesus como afirmação plena do humano" (São Paulo: Paulinas, 1993); "O cristianismo no mundo de hoje" (São Paulo: Paulus, 1994); "A revelação de Deus na realização humana" (São Paulo: Paulus, 1995); e "Repensar a ressurreição" (São Paulo: Edições Paulinas, 2004). (...)

Confira a entrevista.

Como entender a grande atração provocada pela pessoa de Jesus?
Como disse o Concílio: em seu mistério se revela nosso mistério; olhando Ele, reconhecemos o melhor de nós mesmos enquanto criaturas criadas, sustentadas e habitadas por Deus, que nos chama à confiança n’Ele e na radical fraternidade com as outras pessoas.

Como explicitar o lugar decisivo dado à compaixão na missão histórica de Jesus?
Porque o amor, como a água, sempre tende a descer até onde estão a carência, a marginalização e o sofrimento: os “pobres”, no íntimo e amplo sentido evangélico.

Qual é a singularidade da intimidade filial de Jesus com Deus?
Nunca o saberemos completamente. Adivinhamos seu mistério na transparência total à presença do seu
Abba ("papaizinho"); em seu viver radical e sem fissuras “a partir de Deus”, como de seu pão de cada dia; em sua disponibilidade plena ao chamado que constitui seu ser enquanto saído do Pai, até o ponto em que podemos dizer que ver e escutar Ele é ver e escutar o Pai.

Como nós, hoje, no século XXI, podemos entender de forma racional a pessoa de Jesus?
Tudo o que foi dito no ponto anterior vale, em diferente, mas real medida, para nós: nosso ser “ressoa” em seu encontro e podemos “imitá-lo” e “segui-lo”. Por isso, a melhor maneira de compreendê-lo é reconhecer que n'Ele se realiza o melhor de nós, aquilo a que aspiramos sem alcançar totalmente. (...) Definitivamente, Jesus é “igual a nós, mas diferente; diferente, mas igual”. Por algum motivo, nos convida a orar como ele: “Pai nosso”.

Como o senhor responde hoje à pergunta: quem foi Jesus?
Aquele que conseguiu a culminação insuperável da acolhida de Deus na história humana, aprendendo dela (sobretudo através do Antigo Testamento e das culturas e religiões presentes em seu gênesis, assim como também das culturas de seu tempo, helenista e romano), mas a levando à radicalidade insuperável desde sua própria experiência que lhe permitiu romper o último “muro”. Em síntese: Aquele que conseguiu revelar e viver para Deus como amor infinito e perdão incondicional, preocupado apenas com nosso bem e nossa salvação, convocando-nos a colaborar com Ele para que isto seja possível para todos. Não é possível pensar uma meta maior e sempre poderemos estar caminhando até ela.

Como o senhor avalia a situação da Teologia diante das grandes mudanças que caracterizam o contexto atual?
É uma teologia que progrediu e fez muitas mudanças, mas que, no entanto, não tem tocado nas questões de fundo. Foram feitas reformas, mas, em questões fundamentais, é preciso uma “mudança de paradigma”.

Quais as principais questões colocadas à Teologia pelo pluralismo cultural, religioso e de valores vigentes em nossa sociedade?
No aspecto teórico, uma nova concepção da revelação: o amor infinito de Deus manifestando-se o máximo possível em todos os homens e mulheres, em todas as culturas e religiões; só limitado pelo respeito divino à liberdade humana e pela limitação inevitável de nossas capacidades. No campo prático, uma maior, mais fraterna e igualitária, participação de todos — homens e mulheres sem nenhum tipo de discriminação — na vida da Igreja: neste sentido, uma “democratização” radical: os primeiros, últimos; o que manda, serve.

O que se entende hoje como uma “teologia pluralista”?
Na visão do interior da Igreja, é o respeito às diferentes teologias na comunhão da fé comum. Do ponto de vista das demais religiões, é o reconhecimento da presença salvadora e reveladora de Deus nas distintas medidas de sua acolhida histórica. Isso não impede confessar que em Cristo se alcançou a culminação insuperável em si mesma, ainda que perfectível em nossa responsabilidade de atualizá-la no caminho da história. Aí as demais religiões podem ajudar também, na medida em que nós lhes oferecemos o que foi conquistado em Cristo.

Como as demandas de uma teologia pluralista impactam na teologia da revelação?
Tornando-a mais aberta, humilde e fraternal como atitude; nada literalista na interpretação da Bíblia e da tradição; mais teocêntrica desde Deus tal como se revelou em Jesus, o Cristo.


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Caso queira ler mais, Andrés Torres Queiruga concedeu outra entrevistas à IHU On-Line sobre "Teologia e modernidade: a busca de novos paradigmas".

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