sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Imagem de Deus e Diversidade (8): consequências, para a Igreja, do dinamismo da Trindade


Reproduzo abaixo a oitava e penúltima parte do artigo Imagem de Deus e Diversidade, publicado originalmente no nosso site. Após abordar o papel da Igreja, da Teologia e da Revelação e a impossibilidade de essas instâncias virem a esgotar Deus, na primeira parte; a mediação humana e o caráter histórico da Revelação, na segunda; a relação entre os fatos e questões contemporâneos e o entendimento humano da Revelação, na terceira; a atual relação da sociedade e da Igreja com os temas da sexualidade e da homoafetividade, na quarta; a pluralidade de visões no seio da Igreja católica e o próprio significado de “ser católico”, na quinta; a unicidade e o dinamismo de Deus, em seu caráter trinitário, na sexta; e, na sétima, o dinamismo e a atualidade da Trindade, reflito, aqui, sobre as consequências, para a Igreja, da sua compreensão dinâmica do Deus trinitário.

E que consequências pode ter para nós esta compreensão dinâmica de Deus como comunhão a partir de diferentes pessoas trinitárias e não como um ser solitário e homogêneo?

Quando pensamos em Deus como um absoluto monarca, só em seu trono, é fácil termos uma postura diante da vida – incluindo aqui uma compreensão de Igreja – que compreenda o diferente como erro, como perigo. Um só Deus no céu, uma só verdade na terra que provém desse Deus para aqueles que são suas autoridades aqui embaixo e uma só compreensão diante do ser humano e do mundo. O diverso disso é sempre um equívoco, uma heresia, uma ameaça. Pois há um único princípio que sustenta e estrutura toda a realidade, e que se constitui chave de compreensão absoluta para esta.

Em um primeiro momento, pode parecer forçada a consequência desta forma de pensar a unicidade divina. Mas basta olharmos para a história para vermos as suas confirmações. Por que, politicamente, a Igreja se opôs à democracia? Porque se Deus é único, decorreria daí também a existência de uma única autoridade espiritual (o Papa) e mundana, governamental (o rei). A partir deste princípio percebemos também a dificuldade do diálogo inter-religioso, pois cada religião é uma visão de mundo tão absoluta que se excluem umas às outras. Em uma compreensão não suficientemente trinitária da unicidade divina, há uma só autoridade, uma só verdade, uma só natureza humana e interpretação dos fatos que não admite variações. O diverso é sempre errado.

Já se compreendemos a unicidade de Deus a partir do específico da comunhão trinitária, percebemos que este atributo divino surge do acolhimento amoroso do diverso. Não se tem um princípio homogêneo do qual brotem todas as certezas que devem ser impostas aos outros, mas a verdade surge de um sair de si mesmo e abraçar o outro em sua diferença, surge quando se acolhe o outro naquilo que ele tem de mais específico. A diferença não ameaça a unidade, a realiza.

E é claro que a Igreja sabe disso. Desde o Concílio Vaticano II se tem insistido, ainda que com frutos ainda escassos, na maior participação do colégio dos bispos nas decisões eclesiais, se tem revalorizado a importância leiga e a consciência do seu ”ser Igreja”. Este sinal, dentre outros, aponta que a Igreja é consciente de que a pluralidade de carismas, vocações e a diversidade humana e cristã a tornam verdadeiro ícone trinitário, a imagem de Deus para o mundo. Ela deve ser diversa, múltipla e, nessa comunhão amorosa, espelhar a diversidade que é o próprio Deus.

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