quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Imagem de Deus e Diversidade (7): dinamismo e atualidade da Trindade


Reproduzo abaixo a sétima parte do artigo Imagem de Deus e Diversidade, publicado originalmente no nosso site. Após abordar o papel da Igreja, da Teologia e da Revelação e a impossibilidade de essas instâncias virem a esgotar Deus, na primeira parte; a mediação humana e o caráter histórico da Revelação, na segunda; a relação entre os fatos e questões contemporâneos e o entendimento humano da Revelação, na terceira; a atual relação da sociedade e da Igreja com os temas da sexualidade e da homoafetividade, na quarta; a pluralidade de visões no seio da Igreja católica e o próprio significado de “ser católico”, na quinta; e, na sexta, a unicidade e o dinamismo de Deus, em seu caráter trinitário, reflito, desta vez, sobre o dinamismo e a atualidade da Trindade.

Para entendermos toda a riqueza trinitária é preciso inverter uma forma muito característica de pensarmos. Quando pensamos nas pessoas, homens e mulheres, esta ideia expressa a noção de pessoa como sendo um centro individual, consciente, um “eu-Fulano”, “eu-Sicrano”. E a relação humana começaria justamente quando dois desses “eus” se encontram. Existem dois indivíduos, duas pessoas e por isso, pode se estabelecer uma relação.

Quando aplicamos este conceito de pessoa a Deus, estamos, sem dúvida muito acertadamente, querendo dizer que Deus é um ser consciente, livre e não uma força, uma energia, algo sem inteligência e vontade próprias. Neste sentido é correto aplicarmos esta noção de pessoa a Deus.

Mas quando dizemos que Deus é uma comunhão de pessoas, uma comunidade de pessoas divinas, as coisas complicam, porque pensamos: “Ah, existe o Pai que entra em relação com o Filho e com o Espírito e assim acontece o mesmo, a partir de cada uma das pessoas trinitárias”. Primeiro a pessoa e então esta pessoa se relaciona.

Com o mistério do Deus trino é diferente. Pensemos na Primeira pessoa da Trindade: “Pai” não é nome próprio, como Valéria, Arnaldo, Elizah. “Pai” e “Mãe”, porque Deus é espírito gerador, expressa uma relação. Só é pai quem tem um filho, quem está em relação com o filho. Um homem é pai, trabalhador, flamenguista e mangueirense. Deus é Pai; o específico da sua identidade é estar “em relação com”, é gerar o Filho e assim fazendo-o, amá-lo, dar-se inteiramente. O Filho – que não é o Pai, pois não gerou, mas foi gerado – é totalmente acolhido por ele.

O mesmo acontece com o Filho. Só pode denominar-se filho quem está numa relação com pai/ mãe. O Filho divino não é filho e carioca e funkeiro; o Filho é Filho, sua identidade, sua plenitude está toda na sua relação com o Pai, está toda em ser gerado, em receber o seu ser do Pai e, em alegre gratidão e entrega, dar-se totalmente a ele. Não sendo o Pai, pois foi gerado por ele, abre-se plenamente ao divino abraço deste em comunhão eterna que se chama Trindade.

Este dinamismo da entrega e acolhida do Pai ao Filho e deste ao Pai é o Espírito que une a ambos, o amor recíproco do Pai e do Filho. E como o Pai não pode dar-se ao Filho a não ser totalmente, porque essa é a medida das coisas em Deus, da mesma forma faz o Filho em relação ao Pai. Por isso, o Pai está todo no Filho e este todo no Pai e ambos no Espírito. Sendo três pessoas são um único Deus pela plenitude de seu amor e comunhão.

Quando isto aconteceu? No princípio, antes de Deus criar todas as coisas? Não, isto não aconteceu. Acontece, Deus é esse dinamismo do eterno dar-se e acolher-se, é este que sempre sai totalmente de si mesmo para entregar-se em absoluto ao outro, a uma outra divina pessoa na Trindade e no mundo, aos seres humanos. E a duração desta comunhão dinâmica dos três divinos (Pai, Filho e Espírito) que são um só não se mede em minutos ou séculos, chama-se eternidade. Se fosse possível dizê-la em palavras, e aqui cabe uma ousadia, seria algo bem parecido com um eterno “já”, um sempre agora, o tempo que, contrariando a sua própria natureza, não passa, mas, se encontra todo presente, sem antes nem depois.

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