quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Gays não devem discutir sobre a Bíblia?


O jornal americano The Huffington Post publicou recentemente em seu site um interessante artigo da Reverenda Candace Chellew-Hodge, fundadora e editora do Whosoever, uma revista online para cristãos GLBT. A propósito do nosso post recente sobre o filme Assim me diz a Bíblia, achamos oportuno traduzir alguns trechos:


Há vários motivos por que gays e lésbicas não deveriam discutir sobre a Bíblia. Em primeiro lugar, porque é inútil, e ninguém ganha nada com isso. As pessoas antigay valem-se das suas próprias referências e interpretações das escrituras, assim como os simpatizantes dos gays. Ninguém ganha uma discussão dessas porque ninguém vai acreditar nos estudiosos do outro lado, qualquer que sejam os argumentos utilizados.

Segundo, discutir sobre as escrituras apenas leva ao endurecimento das opiniões de um lado e de outro. Nenhum lado está disposto a ceder. Não se trata de um verdadeiro diálogo, mas de uma mera disputa para ver quem consegue sustentar o bate-boca mais tempo, e geralmente falando mais alto. Ninguém se deixa convencer, e os dois lados acabam mais irritados e agarrados às suas próprias ideias. Não ocorre nenhum esclarecimento, e muito pouca, ou nenhuma, compaixão.

Terceiro, os debatedores dos dois lados nunca começam do mesmo ponto de partida: os antigay tendem a ver a Bíblia como a infalível "Palavra de Deus", (...) diretamente inspirada por Ele e jamais passível de contestação. (Ainda que a Bíblia seja repleta de contradições, a maioria das quais ignoramos sem nenhum problema.[...])

Os defensores do lado gay tendem a ver a Biblia como inspirada por Deus, mas (...) mostram-se mais abertos a diferentes interpretações e abordagens da Escritura. Os que consideram a Bíblia a "palavra literal de Deus" conhecem apenas uma maneira de ler cada passagem, e em geral optam por aquela que justifica suas crenças atuais sobre Deus, homossexualidade ou qualquer outro tópico.

O motivo mais importante pelo qual os gays não deveriam nunca discutir sobre as Escrituras é que a Bíblia nada tem a dizer sobre homossexualidade. Precisamos lembrar que é um livro antigo, escrito nos tempos em que as pessoas acreditavam que o mundo era plano e a Terra situava-se no centro de um universo dividido em três planos, com o céu acima e o inferno abaixo; (...) que toda a reprodução humana estava contida no esperma e a mulher não passava de uma incubadora. As mulheres, aliás, eram tidas como gado - propriedade a ser transmitida do pai para o marido, deste para seu irmão e assim por diante. Tempos em que a escravidão era entendida como tendo sido ordenada por Deus e os pecados eram lavados mediante o sacrifício de animais.

Em suma, não podemos extrair ideias modernas de um livro antigo. Os autores da Bíblia não sabiam sobre  homossexualidade mais do que sabiam sobre uma Terra esférica girando ao redor do sol.  No máximo fizeram comentários sobre comportamentos sexuais homoeróticos em situações de luxúria e abuso, mas nada disseram - nem a favor, nem contra - o moderno conceito de orientação sexual. Se não aceitamos o que a Bíblia diz sobre a Terra ser plana e as mulheres serem meras incubadoras (...), por que tomá-la por uma autoridade em orientação sexual?

A Bíblia é um livro sagrado porque descreve a jornada humana junto a Deus, e não o contrário. Se acompanha a nossa jornada junto a Deus, deve acompanhar a evolução do nosso entendimento acerca da atuação do Sagrado neste mundo. A humanidade deixou de ver Deus como um juiz e legislador severo e aprendeu a ver Deus como pleno de graça, misericórdia e amor.

Não vamos entender Deus escrutinando detalhes do livro e proclamando-os uma verdade eterna. Pelo contrário, a Bíblia nos põe em contato com Deus quando reconhecemos sua mensagem geral, que pode ser sintetizada por 1 João 4:7-8: "Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo o que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor".

Gays não deveriam jamais discutir sobre as Escrituras não só porque estas não condenam a homossexualidade, mas também porque esse tipo de debate não produz nada além de discórdia, dissensão e ódio, e tudo aquilo que não produz amor não vem de Deus. Em vez de discutir, amemo-nos uns aos outros, mesmo àqueles de quem discordamos. Essa é a mensagem de Deus para nós. Nada mais importa.

O que você acha? Deixe sua opinião nos nossos comentários e ajude-nos a enriquecer o debate. :-)

7 comentários:

Rodolfo Viana disse...

Incrível o texto!

Esta passagem - "A humanidade deixou de ver Deus como um juiz e legislador severo e aprendeu a ver Deus como pleno de graça, misericórdia e amor."

O trecho acima, deveria por si só resignificar o argumento antigay.

Nas entrelinhas do texto há uma ideia muito clara. Se for debater que seja um dialogo...e q seja produtivo, que se avance para além das ideias iniciais.

Rev. Marcio Retamero disse...

O texto da Rev Candace é instigador e propõe reflexões sérias. Gostei muito do que li, mas discordo em gn, nº e grau da sua opinião de que não se discute a homossexualidade a partir das Escrituras. Se existe conhecimento, este deve ser democratizado, não encastelado na academia. Se existe outras interpretações tão possíveis qto às interpretações fundamentalistas, estas devem vir à luz, para que haja consolo do povo LGBT, excluído pela religião. Concordo que debates com fundamentalistas geralmente terminam em bate-boca e sempre a sensação de que o lado minoritário perdeu. Já participei de debates assim e sei como é, todavia, continuo participando e participarei de todos os que me convidarem, pois aprendi com um profeta manso e humilde de coração, o Rev Neemias Marien, que é possível discordar em amor e misericórdia e ser, ao mesmo tempo, rígido e convicto. Me perdoe a Rev Candace, mas este pastor aqui continuará debatendo as Escrituras com aqueles que me chamarem para tal. De fato, me interesso mais pelas pessoas excluídas que ouvirão/lerão o debate do que com o fundamentalista arraigado nas suas fósseis opiniões.

MARCELO MORAES CAETANO disse...

Neste texto subjaz a elegância do "dar a outra face" e a contundência do "não jogar pérolas aos porcos", simultaneamente. As pistas que ele dá - para mim, são pistas, e não fatos basilares - são da mais intensa importância não apenas para o cristão, mas até mesmo para cientistas, críticos etc., no sentido de que é um convite ao diálogo que gere crescimento. Se não for gerar crescimento, mas endurecimento (e me parece ser esta a grande mensagem do texto), é melhor que se permaneça, de fato, completamente calado. Eu jamais discuto com pessoas que sei, de antemão, que não estão dispostas a ouvir, mas apenas a promover uma luta braçal sobre argumentos ríspidos e enregelados. Ajo assim não apenas em relação às Escrituras, mas em relação à vida. As pessoas provam mais sobre aquilo que querem argumentar com seus exemplos pessoais do que com contra-argumentos que se proponham combater uma visão estereotipada e rudimentar sobre o que quer que seja. Verba volant, exempla manent. Esta é minha humilde opinião, como católico e amante profundo das diferenças criadas por Deus.

Cris Serra disse...

O melhor de uma conversa destas, para mim, é ver como os argumentos não se contrapõem, mas se complementam. :-)

O Marcelo sublinhou um aspecto que para mim pessoalmente é fundamental; preocupa-me muito o efeito que podem ter certas discussões, travadas em determinado tom, no sentido de que em vez de gerar diálogo, troca e crescimento, acarretam apenas mais fechamento e exclusão. A ênfase nessa questão foi talvez o que mais me atraiu na argumentação da autora.

Por outro lado, o Rev. Marcio salientou a importância de esclarecer e mostrar que existem outras leituras possíveis, muito diferentes das interpretações dos fundamentalistas. Imagino que para ele, como religioso, seja crucial em seu trabalho pastoral tanto procurar abrir os olhos dos que atacam os gays para outras possibilidades quanto, mais ainda, tentar levar algum consolo para os que, muitas vezes, enfrentam enorme sofrimento.

Mas não creio que sejam possibilidades incompatíveis, são? Talvez estejamos falando não de posturas definitivas e estanques, mas de um leque de atitudes possíveis a adotar de acordo com as circunstâncias. Talvez haja o momento de falar, se posicionar, "lutar o bom combate", e o momento de calar.

Para isso temos o exemplo do próprio Cristo, que soube falar e criticar, soube até usar o chicote contra os vendilhões, mas soube também, como ninguém, calar e dar a outra face.

Como e quando escolher? :-)

MARCELO MORAES CAETANO disse...

Concordo plenamente, Cris. Há o momento para tudo. E acho que o texto nos lembra que há, inclusive, o momento do silêncio, que é tão pouco lembrado por nós, mas tão evocado pelos exemplos e posturas da Virgem Maria e de São José, por exemplo, que sempre faziam o que tinham que fazer como cristãos, muitas vezes no mais absoluto segredo. Gostei muito desse texto porque ele nos convida à discrição. Ele nos lembra que a ação pode ser por debates e coragem, sim, quando necessário, mas, também, por oração, silêncio e exemplo de vida. A segunda parte dessa ambivalência cristã, a meu ver, deveria ser tão lembrada quanto a primeira, porque é muito negligenciada por muitos cristãos, que acabam não lutando "o bom combate", mas tornando-se tão fundamentalistas e irredutíveis quanto seus supostos oponentes, o que é péssimo para todos os lados. Abraços. PS. Vou telefonar assim que retornar de Brasília, na segunda-feira.

Cris Serra disse...

Na nossa última reunião um de nós estava justamente falando sobre a diferença de atitude entre as irmãs Marta, a ativa, e Maria, a contemplativa, no Evangelho - e sobre como é preciso conciliar e equilibrar ambas em nossas vidas.

Mas, sim, Marcelo, o tema do silêncio me é caro, assim como a importância da contemplação para não perder de vista a graça e o fato de que, em última instância, o reino é dEle, e há de ser tudo para a maior glória dEle, e não nossa... :-)

PS: Já avisei O Cris (eu sou A Cris, rsrsrs) de que vc vai ligar. Espero que sua recuperação esteja correndo bem. :-)

MARCELO MORAES CAETANO disse...

Obrigado pela preocupação. Rezemos sempre uns pelos outros. Madre Teresa, antes de começar seus serviços de obra caridosa, ficava, com suas noviças, 6 horas orando. Quando suas noviças reclamaram que aquele tempo deveria ser reduzido para aumentar a caridade aos pobres, sabe o que Madre Teresa fez? Aumentou o tempo de oração... Meu siso já está devidamente extraído e, afora alguns cuidados de mastigação e não poder fazer esforços físicos por uma semana, está tudo ok. Um grande abraço.

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